A Venezuela já deixou de ser meramente um país de trânsito de drogas, pois os venezuelanos estão envolvidos nas primeiras fases da produção de cocaína, afirmaram especialistas venezuelanos e organizações não governamentais (ONGs).
A Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE), órgão das Nações Unidas, informou no seu relatório de 2019, publicado no dia 27 de fevereiro de 2020, que em 2018 foram detectados e desmantelados 33 laboratórios de processamento de cocaína no território venezuelano limítrofe com a Colômbia. Segundo a JIFE, em 2016 só haviam sido detectadas seis instalações similares.
“Além do cloridrato de cocaína, os traficantes também levam a pasta base de coca da Colômbia para processá-la fora do país, como provam as apreensões da substância ao entrar nas águas internacionais, bem como os confiscos da mesma efetuados em outros países da região”, informou a JIFE em seu relatório anual.
Javier Tarazona, diretor da ONG venezuelana Fundaredes, dedicada à promoção dos direitos humanos e da democracia, explica que esse salto do número de laboratórios detectados na Venezuela é o resultado de uma “evolução”.
“Não se trata de esforços rudimentares ou improvisados. São grupos que têm a intenção de competir no mercado internacional e por isso criam bases na Venezuela”, disse Tarazona.
De acordo com Tarazona, está em andamento um “deslocamento dos encarregados dos cultivos ilícitos na Colômbia” para o território venezuelano, especialmente para as montanhas dos municípios do estado de Zulia: Jesús María Semprún, Catatumbo, Guajira, Losada e Machiques de Perijá. Essas são as localidades onde a Força Armada Nacional Bolivariana já informou a descoberta do maior número de laboratórios.
Mildred Camero, ex-presidente da Comissão Nacional contra o Uso Ilícito das Drogas na Venezuela (atual Comissão Nacional Antidrogas), informou que as mudanças não só têm relação com o uso do território nacional para a fabricação de drogas, mas também com a participação de venezuelanos nas diversas fases desse processo, desde o cultivo da coca até sua distribuição e comercialização.
“Há alguns setores da juventude venezuelana que estão envolvidos no cultivo da coca”, disse Camero. “São jovens que recebem até US$ 10 por cada bolsa de folha cultivada.”
Muitos desses jovens cruzam a fronteira para trabalhar nos plantios e colher as folhas de coca. Entretanto, segundo Camero, essa dinâmica “formará na Venezuela uma população dedicada ao cultivo no próprio país”.
“São desertores das escolas que a longo prazo podem criar um problema geracional com consequências para a estabilidade democrática do país”, alertou.
Além de indicar a Venezuela como um país que contribui para a produção de cocaína, no seu relatório a JIFE reconhece, pela primeira vez, a existência do Cartel dos Sóis, uma máfia do narcotráfico liderada pelo alto comando militar da Venezuela e por membros do regime de Nicolás Maduro. Para Tarazona, a presença de guerrilhas colombianas em território venezuelano, especialmente as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o Exército de Libertação Nacional e o Exército Popular de Libertação, e seus vínculos com o Cartel dos Sóis, explica a evolução do país que passou de ponte do narcotráfico a produtor. A presença das guerrilhas colombianas e o apoio do regime, diz Tarazona, são alarmantes.
“O pior é que os líderes das FARC, como Iván Márquez e Jesús Santrich, entre outros, operam no Palácio de Miraflores, a cúpula do poder em Caracas, que os protege e financia, e os trata como ministros com escoltas”, disse Tarazona ao jornal espanhol ABC Internacional.