Quando os promotores federais em Nova York revelaram uma acusação contra um ex-legislador venezuelano em maio de 2020, estava incluída uma denúncia surpreendente de que o acusado, Adel El Zabayar, fazia parte da conspiração do regime de Nicolás Maduro para ajudar os grupos terroristas do Oriente Médio Hezbollah e Hamás a cometer ataques contra os Estados Unidos.
Segundo a acusação, El Zabayar é um membro ativo do Cártel de los Soles, um grupo de narcotraficantes vinculado diretamente a autoridades do regime, incluindo Maduro e Diosdado Cabello (ambos, incidentalmente, acusados pelos EUA, em março de 2020, por tráfico de drogas, narcoterrorismo, corrupção e lavagem de dinheiro).
Cabello disse que o objetivo era “criar uma grande célula terrorista, capaz de atacar os interesses dos EUA em prol do Cártel de los Soles”, de acordo com a acusação.
Já é hora de os governos do mundo inteiro reconhecerem que a crise na Venezuela não é apenas regional. Ela também tem implicações globais perigosas. Nesse sentido, a administração do presidente dos EUA, Donald Trump, está fazendo soar o alarme sobre a presença de grupos terroristas internacionais, como o Hezbollah, que tentam explorar a crise da Venezuela para expandir o seu alcance e a sua influência.
Ao falar sobre o tema em fevereiro de 2019, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, confirmou que “as pessoas não percebem que o Hezbollah tem células ativas. Os iranianos estão impactando a população da Venezuela e de toda a América do Sul […]. Temos a obrigação de reduzir esse risco no continente americano”, declarou. Em outra declaração em junho de 2019, Pompeo disse: “é mais que tudo uma empresa para fazer dinheiro. Isto é, está projetada para gerar rendimentos destinados ao Hezbollah e suas atividades, que são conduzidas principalmente no Oriente Médio, para ajudá-los a cooptar adeptos em todo o Oriente Médio.”
O Almirante de Esquadra da Marinha dos EUA Craig S. Faller, comandante do Comando Sul dos Estados Unidos, declarou perante uma comissão no Senado americano, em 2019, que o “Hezbollah, organização libanesa subsidiária do Irã, mantém redes de assessoramento em todo o continente [americano], as quais escondem armamento e arrecadam fundos, frequentemente através do narcotráfico e da lavagem de dinheiro”.
Uma presença que já dura décadas

Quando Mahmoud Ahmadinejad assumiu o poder no Irã em 2005, imediatamente reconheceu a vantagem de alinhar-se com o agitador populista antiamericano Hugo Chávez, da Venezuela, com o propósito de esquivar-se das sanções, financiar o terrorismo e promover a subversão ideológica. Caracas se transformou em um centro iraniano para lavar dinheiro, adquirir tecnologia e pôr em prática um esforço conjunto para eliminar a influência dos EUA na região e no Oriente Médio.
Aonde quer que o Irã vá, o Hezbollah certamente o seguirá. Assim sendo, eles expandiram exponencialmente as suas atividades criminosas nas Américas, incluindo o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e o contrabando. Por exemplo, a Ilha de Margarita, localizada em frente à costa da Venezuela, estabeleceu-se como um porto seguro para as operações do Hezbollah.
A extensão da crescente criminalidade do Hezbollah nas Américas foi revelada em 2008, quando as forças dos Estados Unidos e da Colômbia desmantelaram uma rede internacional de contrabando de cocaína e lavagem de dinheiro, liderada por um chefão das drogas libanês em Bogotá. “Os lucros da venda de drogas se destinavam ao financiamento do Hezbollah”, disse ao Los Angeles Times Gladys Sánchez, investigadora chefe da Colômbia.
Quando Chávez sucumbiu ao câncer, em 2013, Ahmadinejad o exaltou como um “mártir” e instituiu um dia de luto nacional no Irã. No entanto, mesmo com Chávez morto e Ahmadinejad fora do poder, os vínculos Venezuela-Irã-Hezbollah praticamente não foram afetados; pelo contrário, eles cresceram e se consolidaram.
Teerã tenta resgatar Maduro
Com as atuais sanções dos EUA ameaçando o regime de Nicolás Maduro, sucessor escolhido pelo próprio Chávez, Teerã tenta resgatar o regime venezuelano com apoio diplomático e financeiro.
Em janeiro de 2019, o General de Brigada Amir Hatami, ministro iraniano da Defesa, comandou uma delegação que participou da questionável cerimônia de posse de Maduro, depois de sua controversa reeleição em maio de 2018 (foi esse evento fraudulento que permitiu que Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, assumisse a presidência interina).
Durante a visita, Hatami supostamente discutiu sobre o aumento da cooperação e “questões de segurança”. Em abril de 2019, o ministro das Relações Exteriores de Maduro, Jorge Arreaza, fez uma visita ao Oriente Médio, em uma tentativa de quebrar o isolamento regional da Venezuela ao visitar aliados do Irã na Síria e no Líbano. A imprensa local informou que ele também se reuniu com Hassan Nasrallah, secretário-geral do Hezbollah. Nos últimos meses, no entanto, um quadro mais completo – e mais preocupante – foi revelado por reportagens publicadas por diferentes meios de comunicação dos EUA.
Em maio de 2019, The New York Times obteve um dossiê com documentos de inteligência interna da Venezuela, mostrando os fortes vínculos entre um dos mais próximos confidentes de Maduro, Tareck El Aissami, e as redes do crime organizado transnacional, incluindo o Hezbollah.
El Aissami, ex-vice-presidente e agora ministro do Petróleo de Maduro – que foi indiciado em março de 2019 em um tribunal federal dos EUA e sancionado pelo Departamento do Tesouro norte-americano em 2017 por narcotráfico – mantém vínculos com o Hezbollah há muito tempo.
Os documentos obtidos por The New York Times incluem testemunhos de acusação contra El Aissami e seu pai, um imigrante sírio que trabalhou para o Hezbollah em visitas ao seu país, por recrutar membros para ajudar a expandir as redes de espionagem e narcotráfico na região.
Informantes disseram aos agentes de inteligência que o pai de El Aissami esteve envolvido em um plano para treinar membros do Hezbollah na Venezuela, “com o objetivo de expandir as redes de inteligência em toda a América Latina e, ao mesmo tempo, operar no tráfico de drogas”. El Aissami colaborou com esse esforço usando a sua autoridade com relação a vistos de residência para emitir documentos oficiais aos militantes do Hezbollah, permitindo que eles permanecessem no país.
Em junho de 2019, em uma entrevista exclusiva ao jornal The Washington Post, o ex-diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN) de Maduro, o General de Brigada do Exército da Venezuela Manuel Ricardo Cristopher Figuera, que desertou em abril de 2019, disse ter lido relatórios de inteligência informando que o Hezbollah atuava nas cidades venezuelanas de Maracay, Nueva Esparta e Caracas, aparentemente para fazer negócios ilícitos e ajudar a financiar as operações no Oriente Médio. Figuera descobriu que tais questões, como o envolvimento oficial no narcotráfico e a presença de grupos armados colombianos na Venezuela, “deveriam permanecer intocáveis”.
Corrupção

De forma lenta, mas consistente, os Estados Unidos estão desvendando as nuances das atividades ilícitas do Hezbollah na Venezuela. Quando o Departamento do Tesouro dos EUA aplicou sanções aos indivíduos pertencentes ao notoriamente corrupto programa de subsídios de alimentos do regime de Maduro, o Comitê Local de Abastecimento e Produção, mais conhecido como CLAP, nomeou o colombiano Alex Nain Saab Moran como líder de uma sofisticada rede de empresas de fachada, parceiros comerciais e familiares, que lavaram centenas de milhões de dólares de lucros ilícitos em todo o mundo.
Segundo uma reportagem do diário colombiano El Tiempo, em outubro de 2018, investigadores suspeitam de uma conexão do Hezbollah com essa rede de corrupção. A Sayari, uma companhia sediada nos EUA que vasculha a rede para identificar corrupção e agentes nocivos nos mercados emergentes, descobriu seis empresas registradas no Líbano com nomes similares aos de conhecidos intermediários do CLAP. A Sayari acredita que as empresas estejam vinculadas a diversas entidades com sede em Hong Kong e no Panamá, que são conhecidos intermediários do programa CLAP.
Mineração ilegal
Outro setor sobre o qual o Hezbollah está supostamente ampliando seu alcance é a mineração ilegal na Venezuela. Devido à sua crônica escassez de moeda estrangeira, o regime de Maduro começou a saquear as vastas reservas de ouro do país, resultando em consequências devastadoras para o meio ambiente. No início de 2019, o deputado oposicionista Américo de Grazia acusou o Hezbollah de abrir negócios no Arco de Mineração do Orinoco para explorar minas de ouro.
No início de dezembro, Vanessa Neumann, embaixadora de Guaidó no Reino Unido, confirmou a acusação, declarando que o Hezbollah está lucrando com a mineração ilegal de ouro e depois envia o metal para a Turquia e o Irã.
De acordo com o Departamento do Tesouro dos EUA, Saab, em conluio com o sancionado El Aissami, é uma figura-chave que liquida o ouro e o converte em moeda estrangeira. Depois de enviar ouro por via aérea para os Emirados Árabes Unidos e a Turquia, entidades turcas o comprariam do regime de Maduro, depositando o dinheiro em contas na Turquia, que, por sua vez, transferiria fundos para uma conta no Banco Central da Venezuela mantida na Turquia.
Um problema global
O fato de um grupo terrorista como o Hezbollah tirar proveito da desesperadora situação da Venezuela para fortalecer sua capacidade operacional significa que o problema não é apenas regional, mas também global. Os governos que acreditam em uma ordem internacional segura e estável baseada em regras, como a União Europeia e outras grandes democracias como a Índia, devem unir-se ao Grupo de Lima dos governos da América Latina (além do Canadá) e Estados Unidos para implementar ações mais robustas contra o regime de Maduro. Eles também precisam pressionar os apoiadores de Maduro em Moscou, Pequim e Havana, para que retirem seu apoio a esse regime criminoso.
Há muita coisa em jogo. A Venezuela não é mais apenas um problema migratório regional. É um centro que está se consolidando para o crime organizado transnacional e uma fonte potencial de atividades terroristas contra os Estados Unidos e a Colômbia e no Oriente Médio. O tempo para advertências diplomáticas acabou; agora é hora de efetuar uma ação conjunta, sob a forma de mais sanções internacionais e medidas mais estritas para a imposição da lei, com o objetivo de reduzir essa ameaça.
José R. Cárdenas ocupou diversos cargos importantes na política exterior durante a presidência de George W. Bush, com foco na América Latina e no Caribe.