No final de agosto, o regime de Nicolás Maduro surpreendeu a comunidade internacional ao anunciar os chamados 110 indultos e a transferência para suas casas de presos políticos que até o momento estavam ilegalmente detidos. No entanto, a libertação desses detidos mostrou as duras condições de reclusão que persistem nas celas da Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM) e do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN).
O cientista político venezuelano Nicmer Evans ficou detido durante 51 dias na central da DGCIM, em Caracas, antes de ser libertado no dia 1º de setembro. Ele ocupou celas em três setores diferentes. Segundo Evans, em um dos setores há uma cela destinada a punir os presos.
“Naquela cela, de número quatro, há cinco pessoas encerradas, vestidas com macacão [uniformes de prisioneiros], que só saíam uma vez a cada 15 dias. Eles recebiam rações de comida incompletas. Os que estávamos na mesma seção, separávamos parte das nossas rações para dividir com eles”, relatou. Ele disse ainda que nos sótãos da DGCIM as luzes ficam acesas durante dias e depois são apagadas por períodos similares, para que os reclusos percam a noção do tempo.
Evans também presenciou o momento em que os carcereiros levaram para o isolamento o Coronel (R) da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) Oswaldo García Palomo. O ex-militar foi detido em janeiro de 2019 acusado de suposta participação em uma conspiração para depor Maduro.
“O coronel foi chamado e lhe disseram para levar uma vasilha com 5 litros de água e outra vazia. Em seguida, eles o levaram para […] uma cela muito estreita e sem luz, localizada entre dois corredores. [Os carcereiros] disseram a García Palomo que a água era para ele beber e a outra vasilha vazia era para urinar”, ele lembrou.
Comissão da ONU
No dia 12 de setembro, uma delegação da Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, conseguiu visitar alguns presos nas sedes da DGCIM e do SEBIN. Depois do encontro, o Capitão de Mar e Guerra da Marinha Bolivariana Luis de la Sotta, preso há 28 meses, contou à sua irmã, Molly de la Sotta, que eles haviam sido castigados com isolamento prolongado e privação de medicamentos.
Por exemplo, o General de Brigada da GNB Héctor Hernández Da Costa, preso desde agosto de 2018 por sua presumida participação em um suposto atentado contra Maduro e que também conversou com os enviados da ONU, está com o pé inflamado devido ao diabetes, informou sua defensora Zoraida Castillo. Ela disse que o oficial é levado ao hospital militar, mas os exames não são feitos. Os médicos se posicionam a seu lado “e fazem uma foto, acredito que com a intenção de mostrá-la posteriormente à ONU”.
Segundo a organização venezuelana de direitos humanos Foro Penal, em meados de setembro, acredita-se que 333 pessoas permaneciam detidas como prisioneiros de consciência em todo o país.
Alonso Medina, advogado venezuelano especializado em jurisdição militar, afirmou que, após os relatórios de Bachelet em 2019 e 2020, foram poucas as mudanças verificadas no tratamento dado aos presos de consciência.
“Um grupo de presos teve permissão para realizar chamadas telefônicas, o que antes não podiam fazer. Outros são levados para tomar banho de sol. Mas não há um critério quanto aos que podem telefonar ou tomar sol […]. Geralmente, os detidos permanecem incomunicáveis”, disse.
No dia 15 de setembro, a Missão de Determinação de Fatos, um grupo criado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para investigar as prisões arbitrárias, torturas e outros tratamentos cruéis, apresentou um relatório que documentou 77 casos de torturas. De acordo com o documento, essas torturas eram praticadas no quartel da DGCIM e em outros imóveis espalhados pela capital. Apesar das limitações, como a falta de acesso à Venezuela da equipe da missão e a pandemia da COVID-19, o relatório estabelece que “foram cometidas violações ao direito internacional dos direitos humanos e do direito penal internacional”.
Evans lembrou de ter visto as cicatrizes dos militares e civis que foram torturados e que ainda permanecem na DGCIM. Um dos detidos ficou pendurado com algemas durante tanto tempo que “seu braço esquerdo se deslocou”, ele contou. Outros têm na pele as marcas dos choques elétricos que lhes aplicavam, disse o analista político.
Tudo isso acontece durante a paralisação dos tribunais devido à pandemia. “Só nos resta a Defensoria Pública e o Ministério [da Defesa]. Entretanto, já sabemos o que ocorrerá lá”, concluiu Molly de la Sotta.