Enquanto o regime de Daniel Ortega-Rosario Murillo persegue, criminaliza e extradita seus oponentes, oferece a seus aliados (ex-funcionários acusados de corrupção, narcotráfico ou terrorismo) proteção pessoal e refúgio, como moeda de troca, explicou à Diálogo, em 12 de outubro, Enrique Martínez, líder estudantil nicaraguense e membro da Plataforma de Unidade pela Democracia e do Movimento Político AVANZA.
“Daniel Ortega poderia estar conectado para evitar o desmantelamento ou a revelação do envolvimento em redes corruptas de lavagem de dinheiro, crime organizado, contrabando e narcotráfico em nível governamental, que opera em toda a América Central e conecta todos esses funcionários”, acrescentou Martínez. “Esse seria um motivo importante para proteger esses burocratas que, mesmo com grandes pressões dos narcotraficantes para manter ativa essa rede de enriquecimento ilícito, oxigenam a família Ortega-Murillo e toda a estrutura da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), para se manterem no poder. Esse seria um de seus principais lucros.”
O caso mais recente é o de Óscar Chinchilla, ex-procurador-geral de Honduras acusado de corrupção, que chegou à Nicarágua em 3 de setembro. Chinchilla está sendo investigado pela Assembleia Legislativa de Honduras para determinar por que ele decidiu não combater casos de alto impacto ligados à corrupção e ao narcotráfico, publicou a revista investigativa hondurenha Contra Corriente.
“Essa velha prática sandinista usa a desculpa da solidariedade política para refugiar seus aliados criminosos, quando na prática é um grande negócio para a FSLN”, afirmou à Diálogo, em 10 de outubro, Félix Maradiaga, presidente da Fundação para a Liberdade da Nicarágua e ex-candidato presidencial. “Há anos é fato conhecido que as pessoas próximas a Daniel Ortega, como Lenin Cerna e Néstor Moncada Lau, entre outros, fazem grandes negócios com passaportes nicaraguenses. Vejo um ato oportunista e um negócio ilícito, mais do que uma decisão de afinidade ideológica.”
Se buscarmos entre os acusados de corrupção, destaca-se o nome de Salvador Sánchez Cerén, ex-presidente de El Salvador e ex-comandante do partido esquerdista Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional e aliado histórico da FSLN, que recebeu a nacionalidade nicaraguense junto com sua família, poucos dias depois de ser acusado de lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito, informou a cadeia France 24.
“O governo da Nicarágua dá refúgio a aliados ideológicos, políticos e econômicos. Isso pode ser visto como um pagamento de favores”, disse à Diálogo Eduardo Escobar, advogado e diretor executivo da organização guatemalteca especializada em vigilância social, Acción Ciudadana. “Ele ganha a lealdade desses atores ou partidos, porque lembremos que por trás dessas pessoas há partidos políticos e eles mantêm essa aliança ou unidade com esses partidos.”
Assim como Sánchez Cerén, os Ortega-Murillo protegem outros ex-funcionários por meio da naturalização, já que os nicaraguenses não podem ser extraditados do território nacional, de acordo com o artigo 43 da Constituição da República. Tampouco é possível extraditá-los por crimes comuns ou políticos.
Mas Ortega solicitou a extradição de dois nicaraguenses da oposição exilados na Costa Rica. Ambos expressaram medo de serem torturados e até executados na Nicarágua, mas a ditadura se aproveita do sistema de justiça criminal para criar acusações de todos os tipos contra seus oponentes, incluindo crime organizado, terrorismo e lavagem de dinheiro, informou o think tank centro-americano Expediente Público.
“É paradoxal que, enquanto o regime de Ortega-Murillo tira a nacionalidade de muitos nicaraguenses que dedicamos nossas vidas a defender o Estado de Direito, algo tão sagrado como a cidadania seja concedida a pessoas que são claramente classificadas como criminosas”, declarou Maradiaga. “É uma grande irresponsabilidade por parte desse regime, mas também é um sinal inequívoco de que Ortega não é apenas um problema para os nicaraguenses, mas também uma ameaça à segurança da região.”
Graco Pérez, especialista hondurenho em direito internacional, considerou que o regime de Ortega-Murillo recebe dinheiro do narcotráfico ou da corrupção, devido à situação econômica precária pela qual estão passando.
“O regime nicaraguense está interessado em que esses recursos entrem no país, e é por isso que essas pessoas o veem como um paraíso, onde podem burlar as leis”, explicou Pérez ao site investigativo hondurenho Criterio. “E já se sabe qual é o acordo. Uma vez lá, ninguém vai lhes perguntar sobre a origem de seus recursos. É diferente ter o dinheiro em países onde há um grau de controle no qual, por qualquer movimento atípico, eles são obrigados a investigar.”
A Aliança Universitária Nicaraguense (AUN) disse à Bloomberg que o regime de Ortega-Murillo transformou a Nicarágua em um refúgio para traficantes de drogas, corruptos e outros criminosos contra a humanidade.
“Nenhum dos casos em que o refúgio e a nacionalidade foram concedidos tem argumentos sustentáveis para justificar a decisão”, afirmou Martínez. “Essa seria uma brecha para analisar cada caso, avaliando os tratados para encontrar um caminho que permita que os países que buscam justiça sobre essas pessoas possam encontrar uma saída nos processos internos de cada país.”
Em uma carta de 19 de setembro, a AUN solicitou o apoio dos congressistas dos EUA para documentar as violações dos direitos humanos e promover mais sanções contra o regime nicaraguense, que é sustentado pela narco-corrupção, manipulação do poder judiciário e legislativo, violência policial e cumplicidade militar.