Fazem patrulhamentos em motocicletas. Encapuzados, uma caveira bordada no uniforme, com coletes à prova de balas e fuzis de assalto, os membros da Força de Ações Especiais (FAES) da Polícia Nacional Bolivariana são vistos com frequência nos bairros pobres da Venezuela. E sua presença é fatídica.
A FAES foi acusada de ter realizado milhares de execuções extrajudiciais desde sua ativação, em julho de 2017. A grande maioria das vítimas, de acordo com diversas ONGs locais e internacionais, são jovens que não apoiam o regime de Nicolás Maduro.
“A vítima da FAES, em média, é um homem entre 19 e 31 anos, com pele morena, que vive em zonas populares de baixa renda… e deixa órfãos”, disse à Diálogo Edwin Gil, advogado da Proiuris, uma ONG venezuelana especializada em direitos humanos.
Parado ao lado de um quadro branco com dezenas de nomes de vítimas da FAES, Gil mostra como é sua rotina em Caracas. Ele passa muito pouco tempo no tribunal, disse, mas muito tempo no necrotério. Ele vai lá três vezes por semana e assim conseguiu dar os primeiros passos para fornecer acompanhamento legal a 28 casos de execuções extrajudiciais que envolvem a FAES.
Embora a organização registre execuções em nível nacional (apenas em outubro de 2019 contabilizou mais de 130), até o momento suas atividades legais se concentram em Caracas e “somente na FAES”, explicou Gil. Segundo cifras do Observatório de Violência da Venezuela, as forças de segurança executam cerca de 20 pessoas por dia no país; dessas, a maior parte seria pelas mãos da FAES.
No necrotério, Gil tenta estabelecer contato com as famílias dos mortos e oferecer respaldo legal aos parentes enlutados que aceitam sua oferta. A maioria, no entanto, prefere “deixar como está”, declarou o advogado.
“A cada dia em que vamos ao necrotério vemos dois possíveis casos, às vezes três”, disse Gil. “Os demais [familiares] não querem denunciar por medo.”
A situação com a FAES é tão problemática que no dia 4 de julho de 2019 a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, solicitou sua dissolução. Um dia depois, Maduro incluiu agentes da força no desfile militar para celebrar a festa da independência do país. No dia 17 de julho, ele reiterou seu apoio em um ato público, declarando: “Viva a FAES!”
Muito pouco se sabe sobre o corpo policial, como são recrutados ou treinados, tampouco quantos são. Seus agentes são anônimos e estão sempre com o rosto coberto. Em agosto de 2019, seu comandante, o Tenente-Coronel da Guarda Nacional Bolivariana Rafael Enrique Bastardo Mendoza, recebeu sanções dos Estados Unidos por ter violado os direitos humanos.
O que é certo, de acordo com os ativistas, é que a FAES atira para matar.
“A FAES é um grupo de extermínio criado pelo regime ditatorial e encarregado de matar ou fazer desaparecer todos aqueles que atrapalhem o caminho”, disse à Diálogo Carlos Nieto, advogado que dirige a ONG venezuelana Uma Janela para a Liberdade. “Não são apenas as pessoas ligadas à questão política, incluem-se também criminosos e todos que dificultem seu trabalho. O grupo foi criado para matar gente, para assassinar os cidadãos.”
Balas no peito, disparos no coração ou na cabeça são os padrões utilizados pela FAES, disse a Proiuris. A maioria dos atestados de óbito analisados pela organização indicam choque hipovolêmico – uma perda massiva de sangue – como a causa da morte.
“A versão oficial sempre alega enfrentamento”, disse Gil. “Entretanto, é curioso que as vítimas quase sempre tenham morrido por choque hipovolêmico. Isso corresponde mais a uma execução.”
Quando as vítimas não morrem imediatamente, os agentes da FAES se abstêm de prestar os primeiros socorros e preferem levá-las a um hospital distante do local onde ocorreram os tiros, revelaram as investigações da Proiuris. “A intenção dos agentes policiais é não deixar sobreviventes”, informa a página da organização na internet.
Plantar armas de fogo, drogas e até roubar dos familiares são outros padrões da FAES, ressaltou Luis Ezequiel, professor de Criminologia da Universidade Central da Venezuela, durante um fórum organizado pela Proiuris em meados de outubro.
São poucos os casos conhecidos de membros da FAES acusados pela justiça. No final de outubro, seis agentes da FAES foram acusados e serão processados – graças ao apoio legal da Proiuris – pelo homicídio, em março de 2019, de dois agentes da Polícia Municipal de Chacao, uma subdivisão de Caracas. A organização indicou que outros quatro foram detidos pelo assassinato de um estudante de enfermagem de 24 anos em um bairro pobre de Caracas, em julho de 2017.
“Eles foram detidos em dezembro de 2018 e ainda nem houve julgamento”, disse Gil, acrescentando que poderão ser libertados a qualquer momento.
Noventa e oito por cento dos casos, segundo a ONG venezuelana Comitê de Familiares das Vítimas da Violência, são isentos de penas.