À medida que o crime organizado avança na bacia do Amazonas em busca de terras para o cultivo de coca, rotas fluviais para o tráfico de drogas e veios de ouro, a floresta tropical e a segurança das comunidades e dos defensores da região estão ameaçadas, de acordo com um relatório da organização internacional Crisis Group.
O relatório, publicado no final de 2023, destaca que os níveis de violência na Amazônia excedem as médias regionais, contribuindo para as alarmantes estatísticas de homicídios na América Latina e no Caribe, com a violência concentrada em áreas rurais e cidades menores.
Julia Cuadros, sócia cofundadora da ONG peruana CooperAcción, que promove os direitos humanos e a justiça ambiental, expressou sua preocupação à Diálogo em 20 de janeiro. “A crescente ameaça na Amazônia nos preocupa profundamente, pois a região se tornou um terreno fértil para atividades econômicas ilegais em nossos países”, declarou.
Dentro do vasto ecossistema amazônico que abrange nove países sul-americanos, a presença de grupos armados é evidente em 69,5 por cento dos municípios fronteiriços, de acordo com o portal de notícias Infoamazonia. Em 145 dos 242 municípios afetados, esses grupos criminosos competem pelo controle e exploração da riqueza da floresta.
Nessas fronteiras, caracterizadas por sua porosidade e dificuldade de controle, grupos armados, traficantes de drogas e mineradores ilegais convergem, invadindo e usurpando áreas protegidas e territórios indígenas, afirmou. Os guardas florestais enfrentam ameaças e são forçados a abandonar seus empregos.
Em 2022, essa região registrou 29 por cento dos assassinatos de defensores ambientais em todo o mundo, com a Colômbia e o Brasil se destacando como os países mais perigosos para esse trabalho, informa Crisis Group. As vítimas também incluem agentes do Estado, juristas e jornalistas.
Cuadros observou impactos sociais e ambientais significativos que, além de contribuir para a mudança climática, afetam diretamente os meios de subsistência e a sobrevivência das comunidades locais. “A crise de segurança alimentar está piorando, pois o rio está poluído, esgotando os estoques de peixes.”
Putumayo
A região amazônica de Putumayo, na Colômbia, tem visto um crescimento alarmante de atividades criminosas nos últimos anos, com grupos rivais como Comandos da Fronteira e Frente Carolina Ramirez se beneficiando do roubo de petróleo, da mineração ilegal de ouro e do tráfico de cocaína, observa Crisis Group.
Esse aumento criminoso se reflete em um aumento de 70 por cento nos cultivos de coca, atingindo 48.000 hectares até 2022, predominantemente ao longo da fronteira com o Equador e o Peru, de acordo com a mídia colombiana La Silla Vacía. A expansão dos cultivos tem consequências diretas em termos de perda de florestas: um hectare de coca por cada hectare a menos de floresta.
A proximidade com o Equador facilita a entrada de insumos e gasolina para a produção de cocaína, tornando essa passagem de fronteira uma rota importante para o narcotráfico. Apesar do aumento do controle estatal sobre as rotas do Pacífico para os Estados Unidos nos últimos anos, outras rotas surgiram, observa Crisis Group.
Putumayo está emergindo como um ponto chave para esses grupos que buscam expandir suas operações para o Equador e estabelecer novas rotas para a Europa via Brasil, explica. “O crime organizado, longe de se limitar a pequenos grupos, envolve a coordenação de máfias locais dirigidas por organizações internacionais”, acrescentou Cuadros.
A situação na bacia amazônica está se tornando cada vez mais difícil, disse. Os traficantes de drogas estão intensificando a lavagem de dinheiro por meio da extração ilegal de ouro, infiltrando-se na cadeia de fornecimento legal com documentos falsos.
Madre de Dios
Madre de Dios, no Peru, como outras áreas amazônicas, está sofrendo com o aumento da violência. Desde 2017, a região tem tido a maior taxa de homicídios do Peru, informa Crisis Group. Os defensores ambientais locais vinculam esses assassinatos à expansão da mineração ilegal, atraindo criminosos de vários lugares.
Um estudo da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) revela que a mineração informal e ilegal de ouro no Peru é responsável por 22 a 28 por cento da produção total do país. Em Madre de Dios, 90 por cento das operações de mineração são realizadas de forma ilegal ou informal.
Cuadros observou que a invasão russa na Ucrânia aumentou os custos de metais essenciais, como o ouro. “Isso gera maior demanda por ouro ‘lavado e legalizado’ pela Rússia e pela China, aumentando a pressão sobre a mineração de ouro e complicando ainda mais a situação em regiões de mineração como Madre de Dios.”
Nos últimos 30 anos, quase 100.000 hectares de floresta foram perdidos em Madre de Dios, de acordo com a USAID. Além disso, Cuadros observou que o mapeamento da Amazônia andina usando imagens de satélite revela uma perda alarmante de florestas, evidenciando o desaparecimento total de áreas florestais em comunidades que as tinham há apenas quatro anos.
Recomendações
Para combater as ameaças na bacia amazônica, é imperativo fortalecer as instituições públicas e fomentar a opinião da comunidade comprometida com a transparência, o fortalecimento institucional e o respeito às leis ambientais e sociais, ressaltou Cuadros.
“A sociedade deve exigir a proteção da bacia amazônica, impedindo a flexibilização das regulamentações e proibindo a exploração mineira nesse frágil ecossistema. Esse desafio vai além do local e regional, tornando-se uma ameaça global que impacta não apenas as mudanças climáticas, mas a própria sobrevivência do planeta”, enfatizou.
Nesse contexto, Cuadros destacou que a cooperação regional deve emergir como uma ferramenta essencial para fortalecer essas estratégias. “Uma articulação eficiente e um acordo internacional, que promova uma narrativa unificada sobre as ameaças do crime organizado e ofereça soluções abrangentes […], são imperativos.”