A ameaça do Irã continua a crescer na América Latina. Nas últimas semanas, enquanto as forças de segurança da Argentina aumentavam sua vigilância, devido a um alerta antiterrorista, os analistas alertaram sobre a crescente influência do regime iraniano e de seu braço armado, o grupo terrorista Hezbollah, na Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai.
“De acordo com diferentes investigações, os vínculos do Hezbollah na região incluem importantes gangues, como o Primeiro Comando da Capital, no Brasil, e os cartéis Zeta e Sinaloa, no México”, disse o jornal argentino La Nación, em 21 de abril. “A atividade central do grupo xiita na região, concordam os especialistas, é financeira, ao facilitar mecanismos de lavagem de dinheiro para o narcotráfico e organizações do crime organizado, principalmente para sustentar suas operações no Oriente Médio”, acrescentou.
Em meio ao aumento das tensões entre Irã e Israel, os especialistas não descartam um novo ataque em Buenos Aires, como os realizados pelo Irã e pelo Hezbollah no passado. Na verdade, a Câmara Federal de Cassação Criminal da Argentina deu por provado que Irã e Hezbollah estavam por trás do atentado à bomba contra a sede da Associação Mutual Israelense-Argentina (AMIA), que deixou 85 mortos e cerca de 300 feridos, em 1994.
Na sua decisão de 12 de abril, os juízes da Câmara de Cassação classificaram o ataque como um “crime contra a humanidade” e pediram reformas legais para permitir um “julgamento à revelia” dos fugitivos iranianos. “A Câmara de Cassação confirmou que os fatos comprovados em relação ao ataque constituem violações graves dos direitos humanos e, portanto, não estão sujeitos a nenhum estatuto de limitações, informou La Nación.
Os juízes também consideraram o Irã e o Hezbollah responsáveis pelo atentado à bomba contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires, em 1992, que deixou 29 mortos e mais de 200 feridos.
Sebastián Basso, promotor federal encarregado do caso AMIA, destacou a importância da decisão da Câmara de Cassação. “Como estamos lidando com a mais alta instância do sistema de justiça criminal federal argentino [a única coisa é que a Suprema Corte de Justiça poderia eventualmente intervir, o que seria excepcional], a densidade das decisões desta Corte é importante para todos os juízes do país”, disse Basso à Diálogo. Entretanto, para fins de resolução do caso do atentado à AMIA, a decisão não trouxe nenhuma contribuição nova, observou o fiscal.
“O que os juízes sustentaram não é nem mais nem menos do que o que os promotores do caso, desde o falecido promotor [Alberto] Nisman até o presente, temos dito. Desde 2006, a Promotoria tem sustentado que a decisão de atacar a sede da AMIA foi tomada pelas mais altas autoridades do regime que governa a República Islâmica do Irã desde 1979 até hoje”, disse Basso. “Também desde essa data, tem sido sustentado que o atentado contra a AMIA é um crime contra a humanidade e, devido à sua transcendência, não pode prescrever. A ação criminal permanece em vigor enquanto os acusados estiverem vivos”, disse o promotor.
A Promotoria também argumentou que “os autores que realizaram o atentado são membros do grupo Hezbollah, especificamente seu braço armado e clandestino que opera no exterior e cuja base de operações, na época, era a chamada Tríplice Fronteira”, explicou o fiscal Basso. “Assim, pode-se dizer que a decisão de Cassação constitui um forte apoio à atividade do Ministério Público Fiscal e uma confirmação pelo Poder Judiciário da hipótese correta. Isso descarta todas as outras conjecturas em relação aos autores do atentado”, disse Basso.
Ahmad Vahidi
A Argentina continua a pedir a prisão internacional dos responsáveis pelo atentado à AMIA, “que continuam em suas posições de poder com total impunidade”, disse o Ministério das Relações Exteriores da Argentina, em 23 de abril.
Um deles é Ahmad Vahidi, que era comandante de uma unidade especial da Guarda Revolucionária do Irã na época em que ocorreu o ataque. “Esse indivíduo é atualmente o ministro do Interior da República Islâmica do Irã e faz parte de uma delegação governamental que está atualmente no Paquistão e no Sri Lanka”, disse o Ministério das Relações Exteriores no comunicado.
A pedido das autoridades argentinas, a Interpol emitiu um aviso vermelho para a prisão de Vahidi. Além disso, a Argentina pediu aos governos do Paquistão e do Sri Lanka que o prendessem de acordo com os mecanismos da Interpol, informou o Ministério das Relações Exteriores. No entanto, até o momento da publicação desta matéria, Vahidi não havia sido preso.
Ameaças contínuas
Com a aproximação do 30º aniversário do atentado à AMIA (18 de julho), as ameaças do Irã e do Hezbollah continuam na região. No Brasil, as autoridades descobriram que Eray Uç, um traficante de drogas turco que está sendo investigado pelos Estados Unidos por supostas ligações com o Hezbollah, estava vivendo sob uma identidade falsa em uma prisão brasileira.
Uç havia fugido em 2017 de uma prisão do Paraguai, onde foi condenado por tráfico de drogas. A Polícia Civil de São Paulo o mantinha sob custódia desde junho de 2023, também por narcotráfico, mas ele estava usando a identidade de seu irmão, Garip. A fraude foi desvendada em fevereiro.
“Após sua prisão, as autoridades confirmaram que suas impressões digitais não estavam incluídas no banco de dados da Polícia Civil e, após intercâmbios entre órgãos de inteligência, sua verdadeira identidade foi descoberta”, disse a Polícia Civil de São Paulo ao Projeto de Relatório sobre Crime Organizado e Corrupção (OCCRP), uma rede global de jornalistas que investigam crimes transnacionais. As autoridades brasileiras estão agora preparando o caminho para extraditar Eray Uç para o Paraguai, onde ele enfrenta acusações de tráfico de cocaína, informou o OCCRP.
“A rede do Hezbollah no Brasil continua a crescer junto com a crescente importância do Brasil como ponto de trânsito para o tráfico ilícito global e a expansão da economia ilícita”, disse ao jornal argentino Infobae, em 1º de abril, Emanuele Ottolenghi, membro sênior do think tank Fundação para a Defesa das Democracias, com sede em Washington.
Ottolenghi identificou a presença no Brasil de dois irmãos libaneses que são membros do grupo terrorista: Haj Wissam Rizk, proprietário de uma loja de celulares em São Paulo, e Khalil Rizk, ex-chefe do Departamento de Relações Exteriores do Hezbollah. “Esse Departamento atua como um elo entre Teerã e as comunidades xiitas em todo o mundo”, disse Infobae.
“Uma das principais funções do Departamento é dar assistência aos agentes do Hezbollah que operam no exterior, incluindo os membros da Unidade 910. A Unidade 910, que opera sob os auspícios do Conselho da Jihad/Brigadas Izz al-Din al-Qassam, é responsável por operações no exterior, que dirige ataques terroristas em todo o mundo”, concluiu Infobae.