Nos últimos meses, o preço da coca, a planta usada para produzir cocaína, despencou em até 50 por cento na Colômbia, enquanto os compradores de coca parecem ter praticamente desaparecido. Nas regiões mais empobrecidas do país, onde centenas de milhares de famílias dependem dessa colheita para sua subsistência, os plantadores de coca estão recorrendo ao armazenamento de quilos de pasta de coca em casa, à espera de compradores, informou o jornal espanhol El País.
“Os preços estão muito ruins”, disse à AFP um plantador de coca em Llorente, no departamento de Nariño. “A única opção é guardá-la [a coca].”
A crise se estende por todo o país e, em algumas cidades que dependem principalmente do cultivo ilícito, há um efeito dominó que afeta todos os negócios, provocando o fechamento de lojas e fazendo com que áreas que antes eram cheias de vida agora estejam vazias.
“As pessoas vêm à cidade para comprar algo, para passear, para comprar algo para a casa… mas se as pessoas não têm dinheiro, elas não vão”, disse Jhonatan Patiño, prefeito de Argelia, departamento de Cauca, ao jornal colombiano El Espectador. Segundo Patiño, 90 por cento da população de Argelia, cerca de 30.000 habitantes, depende diretamente do cultivo da coca.
O enigma da coca
Em entrevista a El Espectador, Felipe Tascón, diretor de substituição de cultivos ilícitos da Colômbia, disse que a queda nos preços da coca começou no final de 2021 na região colombiana de Catatumbo, na fronteira com a Venezuela. Com o tempo, o fenômeno se espalhou por todo o país, e o custo do quilo médio de pasta de coca processada caiu 30 por cento e o de 12,5 kg de folhas de coca caiu mais de 50 por cento em alguns casos, informou El Espectador.
Os analistas ainda não têm certeza da causa exata do colapso dos preços, com explicações que vão desde uma mudança na demanda por drogas sintéticas até um aumento da oferta dentro ou fora da Colômbia.
Em uma entrevista a El País, durante suas visitas de Estado à Espanha e a Portugal, o presidente colombiano Gustavo Petro interviu no debate a respeito do colapso da coca. O presidente Petro afirmou que o colapso do preço foi resultado de uma mudança na demanda dos consumidores dos Estados Unidos, que deixaram de consumir cocaína e passaram a consumir drogas sintéticas, como o fentanil.
Da mesma forma, em uma entrevista com Al Jazeera, Daniel Parra, pesquisador da organização não governamental colombiana Fundação Paz e Reconciliação (PARES), fez eco ao presidente, explicando que “os materiais necessários para o refino da pasta de coca podem ser facilmente rastreados pelas forças de segurança colombianas; a compra de grandes quantidades de amônia, ácido sulfúrico e permanganato de sódio é um sinal de alerta para as autoridades policiais. Alguns laboratórios podem estar mudando para outras drogas, cuja produção é menos arriscada”.
No entanto, a falta de demanda por coca bruta e pasta de coca não implica necessariamente uma queda proporcional na demanda por cocaína pronta. O relatório de 2023 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) sobre o comércio ilícito de cocaína indicou uma produção recorde de cocaína na América do Sul, bem como um consumo recorde nos Estados Unidos. Por sua vez, as autoridades colombianas se comprometeram a apreender quantidades recordes de cocaína em 2023, informou o site espanhol de notícias Notimerica, lançando assim dúvidas de que o consumo de cocaína esteja sofrendo reduções significativas no hemisfério.
Mais exatamente, analistas como Estefanía Ciro Rodríguez, pesquisadora do think tank colombiano A la Orilla del Río, argumentaram que o colapso do preço é, em vez disso, o resultado de um excesso de oferta devido à superprodução de cocaína. Provavelmente, como consequência da pandemia da COVID-19, acredita-se que os traficantes tenham estocado coca pronta para sua comercialização, em resposta aos controles mais rígidos sobre o movimento de bens e pessoas ao longo de 2020 e 2021.
Tanto Parra quanto Ciro também coincidem com os relatos anedóticos de produtores de coca de que a prisão e extradição, no final de 2021, de Dairo Antonio Úsuga David, vulgo Otoniel, principal líder do Clã do Golfo, também conhecido como Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC), foi um fator desestabilizador para o comércio de cocaína e pode ter levado o grupo a se reorganizar e se reorientar para outras economias ilícitas, informou Al Jazeera.
Da mesma forma, Tascón destaca que parte da explicação está na repressão da administração de Petro às rotas fluviais, marítimas e terrestres dos traficantes, uma medida que também pode explicar o recorde de apreensões. Além disso, Diego García Devis, pesquisador de políticas de drogas da ONG Open Society Foundations, sediada nos EUA, sugeriu a InSight Crime, que estuda o crime organizado na América Latina, que grupos armados como o Exército de Libertação Nacional (ELN) podem estar desestimulando o cultivo de coca antes das negociações de paz em andamento e em potencial com o governo, de acordo com sua proposta de “paz total”.
Desafios e oportunidades
Seja qual for o motivo final do colapso dos preços, analistas e autoridades concordam que grupos como o ELN e o Clã do Golfo estão se reorientando para outras economias ilícitas. “Achamos que as AGC podem ter começado a se concentrar em outras fontes de rendimentos ilícitos, como mineração ilegal, extorsão e vendas internas de substâncias ilícitas, em vez de contrabando multinacional”, disse Parra a Al Jazeera.
García Devis e InSight Crime concordam com a opinião de que o excesso de coca provavelmente não durará muito, dada a demanda ainda elevada por cocaína. Consequentemente, os defensores da substituição de culturas afirmam que os formuladores de políticas e as autoridades devem aproveitar a crise que afeta os cultivadores de coca em todo o país, antes que aconteça qualquer ressurgimento potencial da demanda por coca bruta.
Em declarações a Al Jazeera, Gimena Sánchez-Garzoli, diretora para os Andes do Escritório em Washington para Assuntos da América Latina (WOLA), acolheu com satisfação os apelos do governo para reimplementar os programas de substituição de cultivos e investir em oportunidades econômicas alternativas para os plantadores de coca. “O governo precisa mostrar que tem a vontade e a capacidade de cumprir suas promessas”, disse Sánchez-Garzoli.
Juliana Mejía, colunista de El Tiempo, argumenta que o Estado precisa se envolver ativamente em territórios que foram historicamente negligenciados, para combater economias ilícitas alternativas, como extorsão, mineração ilegal, silvicultura ilegal e tráfico de pessoas, bem como promover parcerias e segurança dos líderes sociais locais.
Se os analistas estiverem corretos, a atual crise enfrentada pelos produtores de coca é uma oportunidade de ouro para a substituição de culturas que as futuras administrações talvez não tenham a chance de explorar. “Vivemos como plantadores de coca e passamos por muitas dificuldades”, disse a El País o supervisor de uma fazenda de coca de 20 acres em El Zulia. “Paramos de cultivar coca por um tempo, devido à situação… aqueles que têm um pouco de terra sobrando [também começaram] a plantar culturas como a mandioca.”
Como observa Mejía em sua coluna, “é fundamental que tomemos nota das oportunidades que essa nova realidade nos oferece. O fato de que, em muitas regiões [do país], agora é mais lucrativo semear culturas legais nos levou a um tipo de substituição natural [da coca]. Para que o Estado possa alavancar essa situação, o Estado deve oferecer uma mão com alternativas lícitas adicionais [aos agricultores] nesses territórios”.