Guatemala, Haiti, Belize e Paraguai são os únicos países das Américas que reconhecem a independência de Taiwan; os demais mantêm relações comerciais e bilaterais com a República Popular da China, que está ganhando cada vez mais terreno na América Latina.
SAN SALVADOR – A influência da China na América Latina deslocou quase totalmente a influência de Taiwan na região: existem agora apenas quatro países nas Américas que mantêm relações bilaterais com Taiwan, a ilha que a China reivindica como parte de seu território. O resto dos países parecem satisfeitos com as relações comerciais e os investimentos em infra-estrutura construídos pelo “benfeitor” asiático em seus países: a China.
O interesse da República Popular da China pela região tem um propósito ainda não apreciado pelos latino-americanos, segundo especialistas citados pela Voz da América, e a palavra-chave para entender esses propósitos é “guerra”. Enquanto isso, os Estados Unidos, que estão apenas monitorando esta influência crescente, não parecem ter um plano que não seja apenas discursivo, explicam os especialistas.
“A primeira coisa que temos que reconhecer é que não temos um plano neste momento. O que temos são discussões, mas nenhum plano”. E este é um grande problema (…) Precisamos repensar qual é a importância da América Latina não só para o mundo ocidental, mas para o mundo em geral”, explicou Julio Guzmán, membro do Reagan-Fascell Democracy, National Endowment for Democracy, em um evento realizado pelo Instituto Hudson sobre a crescente influência da China na América Latina.
O especialista acredita que grande parte da diplomacia de Washington não entende que a política latino-americana não é a mesma de três ou quatro décadas atrás, e que agora a “batalha” contra a China não é econômica, mas de “valores e segurança hemisférica”, que pode ser ganha apelando para a consciência.
“A única coisa que as sociedades da América Latina estão vendo da China são os telefones inteligentes, as grandes pontes, os estádios, as grandes estruturas construídas pelos chineses em seus países”. Eles não conhecem realmente todos os riscos, como as práticas e casos de corrupção”, acrescenta Guzmán.
A posição dos EUA sobre a influência chinesa na América Latina tem sido de vigilância, mantendo as relações diplomáticas com o poder asiático no limite: a questão de Taiwan, a guerra russa na Ucrânia e os supostos balões de espionagem sobre os céus chinês e norte-americano têm contribuído para estreitar as relações.
Em 7 de março, o Ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, disse que se os EUA “não travam” sua posição contra a China, “nenhuma quantidade de barreiras pode impedir o descarrilamento que se transformará em conflito”.
Miles Yu, diretor do Centro da China – uma instituição que avalia a influência ideológica, estrutural e militar da China – acredita que a América Latina tem um papel fundamental a desempenhar nesta questão, pois a região tem servido nos últimos anos para a China “hiperventilar o sentimento anti-americano”; algumas vezes replicado pelos líderes da região.
“Se alguma vez entrarmos em guerra com a China, e os chineses precisarem buscar opções para operar na região, essas relações, bem como sua presença comercial na região, serão muito importantes para a operação”, explica Evan Ellis, Professor de Pesquisa Latino-Americana do Instituto de Estudos Estratégicos do Colégio de Guerra do Exército dos EUA.
O modus operandi: dinheiro
O investimento estrangeiro direto da China na América Latina cresceu nos últimos anos de US$ 15 milhões entre 2005 e 2009 para mais de US$ 79,8 milhões entre 2015 e 2020, de acordo com o monitor da rede LAC-China. O especialista Evan Ellis vai além, afirmando que o investimento estrangeiro direto nos últimos 20 anos já ultrapassou US$173 bilhões, e que o aumento do investimento não tem sido a única estratégia econômica da China.
“As alianças financeiras da China na América Latina tornaram o país asiático o parceiro comercial número um de quase todos os países da região ao sul da Costa Rica”, acrescenta o especialista.
Países ricos em recursos energéticos como Venezuela, Brasil, Equador e Argentina receberam até 137 bilhões de dólares do Banco de Desenvolvimento da China e do Banco de Exportação e Importação da China (Exim) até 2020.
“Para manter a estabilidade e a sobrevivência na região, é preciso primeiro criar dependência econômica e tecnológica. Esse é o principal modus operandi da China nos dias de hoje. A América é um mercado que proporciona uma extração de recursos muito rica”, acrescenta o especialista Miles Yu.
De acordo com Yu, a abordagem da China em relação à América Latina é uma abordagem de “investimento maciço de capital” destinada a substituir o papel das instituições financeiras ocidentais dominantes, tais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e até mesmo o Fundo Monetário Internacional.
Em seguida, adverte o especialista, a América Latina desempenhará um papel importante “na guerra política e de propaganda da China e em sua estratégia global”.
Especialistas argumentam que a China já fez progressos em termos de conectividade elétrica, conectividade digital e presença no setor portuário na América Latina, uma região que está passando por “um de seus piores momentos, tanto economicamente como em termos de governança política e respeito às instituições”, segundo Pedro Burelli, um especialista da empresa de consultoria B+V.
Outra das estratégias da China na região é a “cooperação não reembolsável”. Desde 2020, a China tem mantido os empréstimos para a região em suspenso. Agora, ela está concedendo cooperação sem retorno. Em maio de 2021, a China ofereceu-se para construir um estádio, uma biblioteca, uma estação de purificação de água e um projeto de saneamento na área costeira de El Salvador.
Na Costa Rica, também ofereceu 14 milhões de dólares em cooperação não reembolsável para a modernização do Estádio Nacional. E outros $24 milhões de dólares para projetos de desenvolvimento social.
Os Estados Unidos, um olhar atento
A estratégia da China na região não passou desapercebida por Washington. Um porta-voz do Departamento de Estado disse à VOA que os Estados Unidos não se opõem ao investimento da China na região. No entanto, ele faz “eco que as ações da República Popular da China respeitam as leis e interesses locais, particularmente em relação aos direitos humanos”.
“Como o Presidente Joe Biden deixou claro, os Estados Unidos e a China também devem trabalhar juntos onde for do nosso interesse, como por exemplo, na mudança climática, na saúde global e na segurança alimentar”. Isto é o que a comunidade internacional espera”, disse o porta-voz.
Honduras tem sido o último país latino-americano a fazer parceria com a China. O Departamento de Estado a considera uma “decisão soberana” de cada país, mas os EUA continuarão a promover sua política de “uma China” de longa data, apesar do fato de que desde 1978 os Estados Unidos têm estabelecido relações com a China, que têm tido altos e baixos.
Este artigo da Reportagem Especial foi traduzido à máquina.