Caracas – a exploração de ouro sem controle na região central da Venezuela ameaça a fonte de 70 por cento da energia elétrica do país, em um momento em que o sistema já está sobrecarregado e os apagões são frequentes, disseram à Diálogo especialistas em meio-ambiente e mineração.
Além da ameaça para a flora e a fauna da região, devido ao mercúrio e ao cianeto utilizados na mineração de ouro do Arco Mineiro do Orinoco – uma área que representa 12 por cento do território venezuelano e abrange a região norte dos estados de Bolívar e do Amazonas, ao sul do Rio Orinoco –, existe um risco direto sobre a geração de energia elétrica. A exploração de ouro ameaça a principal fonte de eletricidade da Venezuela: a represa de Guri, também conhecida como a central hidrelétrica Simón Bolívar, um gigantesco complexo que entrou em atividade em 1986.
O ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez decretou uma emergência elétrica em 2008 – situação que permanece uma década mais tarde – devido a diversas causas, incluindo uma seca prolongada que fez com que a água da represa de Guri atingisse níveis baixos, segundo informações do governo na ocasião. Embora tenham sido adotadas diversas medidas para vencer a crise, como a implementação de um programa de racionamento de energia elétrica, o problema continuou porque os projetos de ampliação do sistema elétrico não tiveram continuidade, faltou manutenção das turbinas de Guri e a presença de profissionais era escassa, afirma a oposição.
Em março de 2019, quase todo o país ficou durante 11 dias sem luz após um apagão geral. Em 10 de abril, ocorreu outro apagão que afetou Caracas. No dia 22 de julho, foi registrada uma nova interrupção do sistema elétrico, que afetou a metade do país, e o regime de Maduro alegou ter sido vítima de um ataque eletromagnético. No entanto, em vários estados, como em Trujillo, na fronteira com a Colômbia, os apagões são diários.
Alexander Luzardo Nava, professor da Universidade Central da Venezuela, ex-deputado e especialista em meio-ambiente, advertiu em 2016, quando Maduro criou o Arco Mineiro, que a atividade mineira na região provocaria uma redução do caudal do Rio Caroni, do qual depende a represa de Guri, e que as atividades de extração de minérios, que incluem o desmatamento, aumentariam os processos de sedimentação.
Um ex-comandante militar que atuou na área e pediu para ser mantido em anonimato por razões de segurança confirmou à Diálogo as previsões de Luzardo: o sedimento originado das explorações de mineração rio acima terminam entrando na represa de Guri. “Existe um risco de que estes sedimentos causem danos às turbinas”, disse o ex-militar.
Para Mónica Martiz Lizama, presidente do grupo de estudos Venezuela Mineira, que já escreveu exaustivamente sobre o ouro e o Arco Mineiro, os sedimentos não seriam a pior coisa que poderia ocorrer à barragem venezuelana, uma das maiores do mundo.
“Agora me dizem que os partidários de Maduro estão falando em explorar a mineração de ouro na represa de Guri. Isso, sim, seria fatal para a barragem”, disse a especialista à Diálogo.
Além do risco para o complexo de Guri, Martiz disse que os projetos do Arco Mineiro causam muitos danos ambientais. “Trata-se de uma pilhagem mineradora e uma exploração irracional”, declarou.