Grupos armados mantêm os nicaraguenses em alerta constante, com medo de serem sequestrados.
Os grupos paramilitares e de policiais privados nicaraguenses praticam sequestros e mantêm algumas de suas vítimas em celas clandestinas, explicou à Diálogo Roberto Orozco, consultor de Segurança e Crime Organizado na Nicarágua. Eles são a face pública da repressão. Sua principal função é enviar uma mensagem de terror à população para proteger a estabilidade do regime de Daniel Ortega. Aqueles que sofrem com a violência desses grupos na Nicarágua não podem fazer muito, pois os processos são rejeitados, arquivados ou ignorados pelo sistema judicial.
“Os oposicionistas desaparecem por um tempo e em seguida aparecem nas celas das delegações de polícia”, acrescentou Orozco. “[Os paramilitares] se deslocam com armamentos de guerra nas localidades, para marcar sua presença.”
Os paramilitares utilizam diversas formas de agressão contra os opositores, além do sequestro. “Existem perseguições constantes aos ex-prisioneiros e suas famílias, como vigilância, invasões ilegais, agressões físicas, assédio nas redes sociais, ameaças e vandalismo”, explicou à Diálogo Asunción Moreno, professora de Direito Constitucional e Direito Penal na Nicarágua. “Isso não é perpetrado apenas por agentes paraestatais e simpatizantes da FSLN [Frente Sandinista de Libertação Nacional, o partido do presidente Daniel Ortega], mas também pela Polícia Nacional.”
“São eles que fazem o ‘trabalho sujo’ que a Polícia Nacional não pode fazer”, disse Orozco. “São os matadores de aluguel do partido político no poder, a FSLN, dispostos a assassinar qualquer um que ameace a estabilidade do regime.”
Embora esses grupos façam muito dinheiro cometendo crimes, “em essência eles não se dedicam à extorsão e ao sequestro com fins econômicos, mas sim com fins políticos”, acrescentou Orozco. “Eles operam com a Polícia Nacional e recebem a sua proteção. Embora tenham sido acusados, não há ação penal contra eles.”
Xavier Mojica estudava Desenho Gráfico quando foi sequestrado em julho de 2018, em Manágua, durante a “Operação Limpeza”, uma iniciativa estatal para impedir com armas de guerra as manifestações de abril de 2018. Ele não era oposicionista e sua única paixão era seu futuro profissional.
“Eu estava voltando para minha casa, quando uns homens armados e encapuzados me obrigaram a entrar em uma camionete”, explicou Mojica à imprensa. “Fui colocado em um calabouço, onde não enxergava nem minha própria mão. Eles me interrogavam, me golpeavam. Nunca houve outros prisioneiros comigo. Meu único contato durante dez meses foi com os sequestradores.” Mojica foi libertado 303 dias depois, em troca de US$ 600.
“A estratégia dos paramilitares, onde as vítimas são torturadas e algumas têm os corpos marcados, é similar àquela que as gangues Mara Salvatrucha e Barrio 18 utilizam”, afirmou à Diálogo Eliseo Núñez, ativista da Frente Ampla pela Democracia, uma coalizão de partidos políticos nicaraguenses que lutam pela democracia no país. “O modelo é o mesmo; eles mantêm o controle territorial com violência.”
A Comissão Permanente de Direitos Humanos da Nicarágua (CPDH) relata casos de pessoas que foram sequestradas e tiveram os seus braços marcados com os acrônimos “Plomo” [Chumbo], referente a Patria Libre o Morir [Pela Pátria Livre ou Morrer] ou “FSLN”. Somente em 2019, foram registrados quase 2.600 casos de vítimas que denunciaram várias formas de tortura por parte das forças governamentais.
“Em 2018, ano em que eclodiram as manifestações sociais, a Comissão recebeu mais de 4.000 denúncias contra o regime”, informou Marcos Carmona, secretário-executivo da CPDH. “A redução [atual] de casos não se deve a uma melhora da situação, mas sim ao assédio permanente que a polícia mantém em torno do prédio da Comissão, o que intimida aqueles que tentam registrar denúncias.”
Moreno e Núñez concordam que a falta de independência do Poder Judicial é vista nos procedimentos de juízes e magistrados, cujas resoluções e sentenças condenatórias criminalizam os protestos.
“As vítimas de torturas, detenções, violações sexuais e assassinatos devem esperar o ‘tempo da justiça’”, acrescentou Moreno. “Isso talvez ocorra em uma etapa pós-regime, devido ao sequestro de todas as instituições e poderes do Estado por parte dos Ortega Murillo; o Poder Judicial está subordinado ao Poder Executivo.”