A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) uniu forças em 21 de março, adotando por unanimidade uma resolução pioneira para garantir o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial (IA) “seguros e confiáveis”. Mais de 120 países membros endossaram a iniciativa proposta pelos Estados Unidos, informou a organização internacional em um comunicado à imprensa.
A resolução tem como objetivo reduzir a lacuna digital entre os países, promover a proteção de dados pessoais, fortalecer as políticas de privacidade e monitorar de perto o desenvolvimento da inteligência artificial, para identificar possíveis riscos e salvaguardar os direitos humanos, afirmou a revista norte-americana de tecnologia Wired.
Victor Ruiz, fundador do centro de segurança cibernética SILIKN, no México, disse à Diálogo, em 7 de abril, enfatizando a relevância dessa resolução: “É um passo fundamental que ressalta a necessidade de uma gestão proativa da tecnologia emergente de inteligência artificial, dado seu duplo potencial de benefício ou danos.”
A adoção dessa resolução simboliza um esforço internacional contínuo para influenciar a trajetória da IA, em meio a preocupações sobre sua capacidade de desestabilizar processos democráticos e incrementar a fraude bancária. Embora as iniciativas anteriores tenham tido um alcance limitado, a determinação de moldar um futuro seguro para a IA persiste, ressaltou Reuters.
Embora a resolução tenha sido unânime, as negociações incluíram uma série de “conversas acaloradas” e a resistência dos participantes internacionais Rússia e China, informou Reuters. Ruiz observou ceticismo quanto à adesão desses países à resolução, corroborando seu histórico de não honrar compromissos geopolíticos internacionais.
“Há uma área ambígua – cinza – nessa questão da IA”, diz Ruiz. “Embora Moscou e Pequim afirmem que cumprirão o acordo sobre inteligência artificial, há entidades ocultas intimamente ligadas a eles que estão avançando no desenvolvimento de ferramentas e técnicas de investigação destinadas a executar ataques.”
Rússia, China, Irã e Venezuela poderiam negar responsabilidades, alegando que não estão ligados a grupos suspeitos de atividades questionáveis, apesar das evidências claras de possível financiamento, afirmou Ruiz. “Essa postura dificulta as investigações internacionais, lançando dúvidas sobre a magnitude de seu envolvimento.”
Conteúdo falso
Os governos chineses, russos e iranianos demonstram grande interesse em empregar ferramentas de inteligência artificial para diversos fins. No caso do Irã, o país está empregando a IA, incluindo aplicativos em telefones celulares, para monitorar a conformidade de meninas e mulheres com as regras restritivas sobre o uso do véu islâmico, informou a agência de notícias espanhola EFE, em 18 de março.
Além disso, está aumentando seu apoio financeiro e legal para criar um ambiente propício para o setor privado no campo da IA. Entretanto, esses investimentos suscitam preocupações, pois poderiam envolver vínculos entre empresas, o regime e o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, afirma o think tank Fundação para a Defesa das Democracias, com sede em Washington.
Pequim está usando um repórter virtual em Wolf News para promover os interesses do Partido Comunista da China (PCC), reforçando ainda mais o papel da China na geopolítica global, observa o jornal The New York Times. Em março de 2023, Pequim apresentou Ren Xiaorong, um avatar virtual que se juntou ao noticiário People’s Daily, seguindo meticulosamente um roteiro oficial do PCC.
Além disso, as empresas chinesas de IA vêm desenvolvendo ferramentas de deepfake há mais de cinco anos, capazes de produzir pessoas fictícias, como parte de uma campanha de desinformação para promover os interesses do PCC. Essa ferramenta obscurece a linha entre o fato e a ficção em um grau extraordinário, detalha The New York Times.
Em fevereiro de 2023, o regime de Nicolás Maduro na Venezuela desenvolveu o programa de notícias fictício House of News, onde avatares gerados por inteligência artificial faziam parte de uma campanha de desinformação estatal do chavismo e da disseminação de dados falsos e modificados, relata na internet o jornal espanhol El País.
“A IA generativa potencializa a propaganda computacional”, explicou Sam Woolley, diretor do laboratório de investigação de propaganda do Centro para a Participação da Mídia da Universidade de Texas, ao Instituto Reuters da Universidade de Oxford, em 12 de março. “Com a IA generativa, a propaganda não só se torna ainda mais amplificada, como também mais persuasiva e matizada.”
“Sim, a IA está facilitando a criação e a disseminação de notícias falsas que se tornam extremamente convincentes, que são percebidas como verdadeiras pelo público”, acrescentou Ruiz. “Essa capacidade de gerar conteúdo falso de forma automatizada e contínua, sem intervenção humana direta, tem o potencial de influenciar significativamente áreas críticas, como eleições e conflitos.”
Bem informados
A Assembleia da ONU pediu a todos os Estados membros e partes interessadas que se abstenham de usar sistemas de inteligência artificial que não possam operar de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos ou que representem riscos indevidos para disfrutar dos direitos humanos.
“É essencial que, como sociedade, estejamos cientes e bem informados sobre o uso da inteligência artificial”, concluiu Ruiz. “Se for usada para aprendizado, assistência e competição, ela pode ser benéfica. No entanto, seu uso como arma representa um enorme perigo, especialmente quando a IA começa a definir seus próprios objetivos [e tomar decisões por conta própria], para atacar sistemas conectados.”