A histórica Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (RCSNU) sobre o programa Mulheres, Paz e Segurança (WPS, em inglês), que aborda a importância da participação feminina total e igualitária na solução de conflitos, manutenção da paz, resposta humanitária e resolução pós-conflito, visa a transformar as questões de gênero nas instituições da ONU e nos processos de pacificação de todos os governos.
Em consonância com essa argumentação, a resolução exorta os Estados membros “a garantir o aumento da representação das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão das instituições nacionais, regionais e internacionais e dos mecanismos de prevenção, gestão e resolução de conflitos”. Apesar da codificação do WPS estabelecida em 2000, há um desequilíbrio de gênero persistente e generalizado, que favorece o pessoal masculino: as mulheres constituem menos de 4 por cento dos cerca de 100.000 dos integrantes das forças da ONU.
Quatro anos após a adoção da resolução, o Conselho de Segurança emitiu uma declaração incentivando os Estados membros a desenvolver Planos de Ação Nacional (PAN) para atender à RCSNU 1325. Os PANs são documentos estratégicos de âmbito nacional que delineiam o curso de ação de um governo para abordar o tópico WPS.
PAÍSES QUE JÁ CONSEGUIRAM
Em nosso hemisfério, até agora, sete países já atingiram esse marco: Brasil (2017), Canadá (2010), Chile (2009), El Salvador (2017), Estados Unidos (2011), México (2021) e Paraguai (2015). Quatro outros países: Costa Rica, Equador, Trinidad e Tobago e Uruguai estão desenvolvendo PANs atualmente, de acordo com um relatório de Mulheres na Segurança Internacional (WIIS, em inglês), de 2020.
Embora a adoção dos PANs seja comemorada como uma importante conquista para abordar o WPS, há pouca informação disponível sobre seu efeito no aumento da participação de mulheres nas operações de manutenção da paz (PKO, em inglês). Aumentar a participação feminina nas PKOs é um dos objetivos da RCSNU 1325. A questão é abordada especificamente em uma resolução independente, a RCSNU 2538, adotada em 2020, que pede mais ação para fortalecer o papel das mulheres em todos os níveis de manutenção da paz. Embora os PANs sejam incentivados e reconhecidos como um passo importante para o cumprimento dos objetivos acordados na ONU, a participação das mulheres nos processos de paz está vinculada ao seu envolvimento nas forças militares e policiais; como tal, os índices de participação feminina nos processos de segurança e defesa podem ser um melhor indicador do envolvimento feminino na manutenção da paz do que a adoção de um PAN.
AS EXCEÇÕES: ARGENTINA E URUGUAI
Na América Latina, as mulheres correspondem a menos de 10 por cento do efetivo militar, com exceção da Argentina e do Uruguai, onde elas representam 11,63 por cento e 16,09 por cento, respectivamente.
Esses índices se refletem no número limitado de mulheres nos efetivos de manutenção da paz, apesar da impressionante contribuição geral dos agentes da paz por parte dos países da região. Esses países, incluindo Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Guatemala, Paraguai, Peru e Uruguai contribuíram com mais de 7.000 integrantes para a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH, em francês). Apesar disso, a quantidade da contribuição total das mulheres na missão ficou em torno de 2 por cento. O envio de mulheres militares da América Latina especificamente foi de aproximadamente 2,5 por cento.
Fora do hemisfério, a América Latina também fez importantes contribuições para a manutenção da paz. Em 2018, por exemplo, forças latino-americanas participaram de 14 missões de paz da ONU, com um total de 2.230 policiais e militares. Os altos índices de participação em geral, no entanto, não se refletem nas taxas de participação feminina. Entre os milhares de membros destacados na região, apenas 4,3 por cento dos militares e 3,9 por cento dos especialistas militares eram mulheres. Dois fatores ajudam a explicar essa disparidade: a natureza dos próprios PANs e a relativa importância da manutenção da paz para os países latino-americanos.
Primeiramente, os PANs são documentos de nível estratégico. Como tal, eles não incluem mecanismos de imposição. Como o seu nome sugere, eles traçam um plano de governo para abordar todas ou algumas das questões-chave incluídas na agenda de WPS, mas não mencionam as consequências do não cumprimento e, com frequência, não contam com os recursos necessários.
O primeiro PAN de WPS dos EUA, por exemplo, incluía linhas de esforço e métricas, mas não disponibilizou os fundos necessários para a concretização daqueles esforços. Por outro lado, desde que foi sancionada a Lei WPS em 2017, o Congresso dos EUA destinou recursos específicos para cumprir as atividades relacionadas a esse programa. Enquanto os PANs podem indicar um forte comprometimento por parte dos mais altos níveis de liderança nacional para apoiar o WPS, eles não necessariamente incluem os recursos para realizá-los.
Em segundo lugar, a participação nas PKOs é vista pelas tropas latino-americanas como um sinal de prestígio. A participação nas PKOs é tão apreciada na região que as pesquisas sugerem que a inclusão nesses tipos de missão foi utilizada para aliviar o descontentamento entre as forças armadas de alguns países. Ser apontado para missões de PKOs frequentemente inclui uma remuneração adicional para os militares destacados. A grande atratividade de uma designação para uma PKO abre uma oportunidade para os homens serem favorecidos em detrimento das mulheres. Um PAN por si só não pode mudar a percepção de uma tarefa nem impor de forma convincente cotas de gênero para tais atribuições.
Para aumentar com sucesso a participação das mulheres nas PKOs, os países da região precisam avançar além dos PANs para criar políticas de longo prazo e garantir que as mulheres que servem nessas instituições tenham oportunidades iguais de participação em todos os tipos de missões, incluindo as operações de manutenção
da paz.