Em outubro de 2016, o Contra-Almirante reformado da Marinha de Guerra do Peru Francisco Calisto Giampietri voltou ao serviço ativo como vice-almirante para assumir a liderança do Comando de Inteligência e Operações Especiais Conjuntas (CIOEC) do Peru para, em suas palavras, “ajudar a eliminar os remanescentes do Sendero Luminoso”, grupo terrorista que ainda atua na região do Vale dos Rios Apurímac, Ene e Mantaro (VRAEM). Em setembro de 2018, Diálogo visitou as instalações da Força Especial Conjunta, com sede no distrito de Chorrillos, em Lima, para conversar com o VAlte Calisto sobre as operações das unidades de elite do país. O oficial se reformou em dezembro.
Diálogo: Por que foi criado o Comando de Inteligência e Operações Especiais Conjuntas?
Vice-Almirante da Marinha de Guerra do Peru Francisco Calisto Giampietri, comandante do CIOEC: O CIOEC foi criado há quase 10 anos em resposta a uma demanda. O foco inicial era o VRAEM, porque era a emergência que havia na ocasião. Foi criado o Comando Especial do VRAEM [CE-VRAEM] e depois surgiu a necessidade de incrementar as operações baseadas em inteligência operacional, o que, no final, se traduziu em operações táticas. O CIOEC foi criado porque muitas operações eram realizadas não a nível convencional, mas sim a nível de operações especiais, que envolviam a utilização de pessoal com mais capacidades operacionais do que um soldado de tropa regular.
Diálogo: Por quê?
V Alte Calisto: Porque aqui no Peru a tropa é orientada para o serviço militar. Assim sendo, o nível da experiência da maior parte dos membros do serviço militar não era compatível com a necessidade que surgiu na área do VRAEM, que é uma região muito complexa. Ali há elevações, por exemplo, que abrangem desde o nível de terreno, que começa em 600 metros, e se estendem a até 4.800 m acima do nível do mar. Então, em uma mesma operação, o soldado pode começar a 600 m e terminar a 3.200 m. É preciso que haja uma adaptação ao terreno que ultrapassa o nível ao qual o soldado regular está acostumado. Surgiu então a necessidade de utilizar as forças especiais. Esse comando especial está restrito à área de operações do VRAEM, que de tempos em tempos é considerada área de emergência.
Diálogo: Quando um estado de emergência é declarado?
V Alte Calisto: O controle da ordem interna está a cargo da Polícia e, quando a situação se complica um pouco em zonas determinadas e definidas, o estado de emergência é declarado. No estado de emergência algumas prorrogativas deixam de existir. O cidadão, por exemplo, não pode transitar livremente sem ter consigo o seu documento de identidade. Ele está sujeito a várias restrições e na zona de emergência pode haver dois tipos de controle de ordem interna: o primeiro estaria sob o controle da Polícia e o segundo sob o controle das Forças Armadas. O VRAEM está na zona de emergência. Isso se renova a cada 30 ou 60 dias, dependendo da situação, e o controle da ordem interna está a cargo das Forças Armadas, ou seja, o comandante do CE-VRAEM tem sob seu controle o Exército, a Força Aérea, a Marinha e a Polícia local. Eles têm uma responsabilidade legal e são amparados pela lei para poderem atuar no controle da ordem interna, o que em situações normais não aconteceria, porque as Forças Armadas não têm essa faculdade, mas no caso do VRAEM, sim.
Diálogo: Por que o Sendero Luminoso não é considerado um grupo narcoterrorista? Eles vivem atualmente do narcotráfico, sem a sua velha ideologia comunista, não?
V Alte Calisto: A ideologia ainda existe em seu núcleo conservador, de forma incipiente, pobre, básica. Eles utilizam essa plataforma para exercer influência sobre a população através do medo e de outras ameaças. O termo ‘narcoterrorismo’ não existe na nossa legislação. Existe a questão do narcotráfico e existe a questão do terrorismo. Há uma simbiose entre as duas, é verdade, mas as mudanças das leis não ocorrem na mesma velocidade dos temas operacionais. Para mudar as leis, é preciso ir ao Congresso, e este é um processo muito demorado. Assim sendo, não existe um termo legal definido como ‘narcoterrorista’. Se eu o detiver por narcoterrorismo, estará livre amanhã, porque a lei não ampara essa categoria.
Diálogo: Os operadores especiais do Peru atuam em sua maioria no VRAEM?
V Alte Calisto: Nesse momento sim, trabalhamos mais no VRAEM. Mas também operamos em Putumayo e também podemos atuar no norte e no sul, porque existem operações especiais em todos os lugares. O CIOEC, então, passou a ser um comando operacional. Acabamos de ter uma operação em Putumayo, em julho [de 2018], onde atuamos sobre vários laboratórios e detivemos, entre outras coisas, 51 imigrantes ilegais que haviam cruzado o rio Putumayo e migraram para a zona do Peru, onde praticariam atividades de narcotráfico. Ali também destruímos quatro laboratórios. Temos permissão para trabalhar em todo o Peru e por esse motivo nos tornamos um comando operacional.
Diálogo: E como se nutre esse comando operacional?
V Alte Calisto: O comando se nutre do Exército, da Marinha e da Força Aérea. Eles me fornecem suas tropas de acordo com a minha necessidade. Ou seja, neste momento eu tenho um teatro de operações do qual eu cuido e que é um cliente constante, o CE-VRAEM. Minha necessidade em operações especiais está claramente determinada em uma diretiva. Então determinamos o nível de magnitude da força que teremos que utilizar. Por exemplo, preciso de 36 pelotões. Não posso chegar e pedir 36 pelotões ao Exército. O Exército não pode dispor de 36 pelotões para mim e ficar desfalcado de pessoal. Fazemos então um mix, dependendo do número de pessoas que tem cada instituição. Em geral, a que tem maior número de pessoas é o Exército. Pede-se um certo número de pelotões ao Exército, outros tantos à Marinha e à Força Aérea. Eles saem dos seus âmbitos de responsabilidade e ficam sob o meu controle operacional. Já não pertencem ao Exército, nem à Marinha, nem à Força Aérea. Eles vêm de lá, mas sou eu quem os comanda. De acordo com minha necessidade, eu os coloco e retiro, eu os movo e trago de volta. Existem operações onde o pelotão do Exército tem o suporte do pelotão da Marinha, ou os dois juntos participam de uma operação conjunta, inclusive com a Polícia Nacional, que me fornece efetivos para meu controle operacional. Eles têm acesso a informações de inteligência privilegiadas que eu não tenho, como, por exemplo, a capacidade de escuta telefônica.
Diálogo: O senhor poderia citar alguma operação conjunta recente de forças especiais peruanas com os Estados Unidos, especialmente com o Comando Sul?
V Alte Calisto: Não vou especificar o que fizemos, mas tínhamos uma operação em desenvolvimento, a Operação Tenaz. Os americanos nos ajudaram muito com inteligência antes da operação. As informações que o Comando Sul nos forneceu nos apoiaram muito para poder desenvolver a operação. Terminamos com essa questão e durante a operação foi a DEA [Administração para o Controle de Drogas dos EUA] que nos apoiou taticamente para desenvolver as operações através de informação especializada. Assim, podíamos ter um feedback direto da DEA durante o processo de execução da operação. Que eu saiba, nunca havíamos contado com um oficial da DEA no Estado-Maior do Comando de Inteligência de Operações do Peru durante uma operação, ou seja, enquanto estávamos operando tínhamos um oficial da DEA ao nosso lado. Assim sendo, nossas solicitações eram atendidas pela DEA em tempo real, o que colaborou com a movimentação do quadro a nível tático da operação.
Diálogo: O Peru realiza treinamentos conjuntos com outros países da região além dos Estados Unidos?
V Alte Calisto: Temos com a Colômbia um fluxo constante de informações de ida e volta, o que ajudou muito na organização dessa unidade [CIOEC]. O CCOES [Comando Conjunto de Operações Especiais] da Colômbia tem muita experiência. Nós não temos tantos helicópteros; não temos tanta gente. A situação da Colômbia é diferente da situação do Peru. Nosso objetivo é muito mais focalizado. Na Colômbia, a situação foi um pouco mais ampla. Eles têm um Plano Colômbia, nós não temos um Plano Peru. Recebemos apoio em outro nível, mas o nosso problema também está focado em uma área determinada. Ainda assim, a experiência que a Colômbia adquiriu foi replicada aqui. Vieram oficiais colombianos aqui e sempre temos um plano de apoio mútuo com eles.
Diálogo: Qual é o seu desafio principal?
V Alte Calisto: Meu desafio principal é o desafio peruano, ou seja, eliminar esta organização remanescente do terrorismo que atua no VRAEM. É certo que ela tem uma simbiose com o narcotráfico e eliminar o narcotráfico é quase impossível, mas isso não significa que não continuaremos lutando contra esse problema. Nosso enfoque principal é desativar a célula terrorista existente naquela região, processo que, pouco a pouco, tem sido concentrado e melhor ajustado. Esse é o meu trabalho. Foi por isso que regressei. Fui colocado nessa unidade e espero ajudar para que o problema termine. Estamos em operações reais e devemos colocar um ponto final nisto o mais rápido possível.