O General de Exército do Peru Jorge Orlando Céliz Kuong assumiu o comando da instituição em novembro de 2018, com a importante missão de transformá-la em uma força multimissão. Em fevereiro de 2019, o General de Brigada do Exército dos EUA Mark Stammer, comandante do Exército Sul, convidou o Gen Ex Céliz a visitar várias instalações militares nos EUA, para intercambiar conhecimentos sobre as transformações paralelas de ambos os exércitos. Diálogo conversou com o Gen Ex Céliz durante sua visita ao Forte Benning, em Columbus, Geórgia.
Diálogo: O que o senhor viu durante sua visita aos EUA que possa implementar ou adaptar no Peru?
General de Exército Jorge Orlando Céliz Kuong, comandante geral do Exército do Peru: O Exército americano, como todos sabemos, é um exército que se desenvolve a cada dia com experiências de combate. A instituição atende melhor a tipologia do combate convencional, como conhecemos no Oriente Médio, como vimos no Afeganistão ou em outras partes do mundo. Mas, também acho que a evolução do Exército dos Estados Unidos e a evolução dos nossos exércitos na América Latina devam se ajustar às transformações do século atual, às novas ameaças, aos riscos etc. O que eu vi de melhor nessa viagem foi a tecnologia que os EUA utilizam em seus sistemas de armas: o emprego do cyber em suas atividades diárias, a maneira como estão conceituando a guerra em todos os domínios, aquela que tem a ver com a terra, o mar, o ar, o espaço e também com o cyber. É muito importante termos uma referência, se quisermos ser interoperacionais entre os exércitos, e a referência são os Estados Unidos.
Diálogo: Esse processo de mudança tem relação com entender as tendências das novas gerações?
Gen Ex Céliz: Evidentemente. A geração que vemos agora não é a mesma que havia há 20, 30 anos; então devemos treiná-los e capacitá-los. Cada uma das ameaças que enfrentamos nos obriga a ter interoperabilidade e implica uma previsão para podermos atuar em conjunto.
Diálogo: Há mais ou menos 20 anos o senhor foi instrutor do Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança [WHINSEC, em inglês]. Quais as principais mudanças que o senhor percebeu nessa visita ao instituto?
Gen Ex Céliz: O que percebi foi que deram ao soldado, ao NCO [suboficial], ao oficial, ótimas condições de bem-estar. Agora as instalações, a infraestrutura, as salas de aula, até mesmo o tratamento ao pessoal, evoluíram. Há uma tendência a proporcionar essa comodidade, esse bem-estar de que o homem e a família necessitam para que respondam com segurança, em um nível melhor, quando estiverem em combate.
Diálogo: Em relação às novas ameaças, com que países da região o Peru trabalha em estreita colaboração?
Gen Ex Céliz: Com todos os países, e tivemos experiências muito estreitas nesses últimos anos. Um exemplo muito bom foi o Exercício AMAZONLOG, realizado em 2017, com nossos vizinhos e países irmãos, Colômbia, Brasil, e também com a participação dos Estados Unidos. Tivemos a oportunidade de participar de um exercício especial na Amazônia face à convergência de diversas ameaças na região. Da mesma forma, estamos trabalhando estreitamente com a Colômbia e com o apoio de um convênio bilateral entre os ministros da Defesa. Pudemos realizar operações na fronteira no Trapézio amazônico, na cisão do Rio Putumayo, para neutralizar elementos ou criminosos narcotraficantes ou do crime organizado que se encontram no local. Com o Equador também tivemos, há três ou quatro anos, uma participação direta oferecendo apoio depois que ocorreu o terremoto em Guayaquil. Tivemos a oportunidade de enviar helicópteros, equipes de engenharia, soldados, e também no sul. Neste ano, estamos planejando uma operação no sul, denominada Concórdia, com o Exército do Chile, para prever a assistência durante um sismo de 8.5 graus, com a participação das forças que tenhamos na região, bem como da comunidade e das autoridades regionais e locais. Com a Bolívia, o tema é quase sempre a friagem, especialmente na fronteira. O mesmo ocorre com o Equador. Nesses últimos acontecimentos, que ocorreram devido às precipitações na costa, já fizemos exercícios ao longo do Rio Tumbes, do Rio Zarumilla, com a participação da comunidade e dos exércitos. Resumindo, temos ameaças comuns. Cada região tem sua particularidade, mas estamos trabalhando nesse sentido para sermos mais úteis à sociedade.
Diálogo: E com relação ao narcotráfico?
Gen Ex Céliz: O senhor sabe que a Colômbia, o Peru e a Bolívia são os maiores produtores de folha de coca e também do alcaloide. Na luta contra o narcotráfico, a Polícia Nacional tem que atuar diretamente na intervenção. Mas no ano passado [2018], o Congresso outorgou às Forças Armadas o poder legal de atuar nos lugares onde tenha sido declarado o estado de emergência, tentando impedir a entrada dos insumos nos lugares onde haja maior produção do alcaloide, ou seja, evitar o traslado de querosene, concreto, cal, até mesmo da folha de coca e outros químicos, e também efetuar a captura dos veículos, sejam eles terrestres ou aéreos, que transportam esse material para comercialização.
Diálogo: O que é o exército multimissão que o senhor quer implementar no Peru? É uma evolução?
Gen Ex Céliz: Há termos diferentes que podem ser confundidos. Falamos em alguns casos de reengenharia, em outros de evolução, como o senhor acaba de mencionar, em outros de modernização. Nós entendemos a modernização como a outorga de novas tecnologias às mesmas forças, às mesmas organizações, para realizarem as mesmas tarefas. No nosso caso, trata-se de um processo de transformação pela visão que temos para as tarefas que devemos cumprir, em relação às cinco funções do nosso Exército. A primeira delas é defender a soberania, a independência e a integridade territorial. Isso é praticamente comum a todos ao redor do mundo. Por outro lado, temos outra função estratégica de defender ou de participar da ordem interna, mas sempre e quando a capacidade da Polícia Nacional for excedida. Atualmente, estamos enfrentando problemas de mineração ilegal nos pampas, no estado de Madre de Díos. A primeira força que precisa intervir nesse caso é a Polícia Nacional. Nós somos os que cuidamos da segurança dessa intervenção policial, mas podemos intervir caso essa capacidade seja excedida. No entanto, não chegamos a esse ponto. Outra função do Exército é a participação no sistema de gestão de riscos de desastres. A quarta função é estratégica, que passa pela projeção internacional.
Diálogo: O que significa essa projeção internacional?
Gen Ex Céliz: A projeção internacional é relativa à nossa participação nos diversos eventos mundiais. Temos diferentes oficiais que estão servindo nas forças de paz das Nações Unidas e também, de maneira integrada, temos uma companhia de engenharia na República Centro-Africana. A última função, mas não menos importante, é a do desenvolvimento nacional. É parte da tarefa do Exército colaborar para que os povos possam construir estradas e pontes, melhorar as vias, oferecer benefícios de engenharia que, em alguns casos, não atingem os locais mais afastados. No âmbito do desenvolvimento nacional, nós estamos presentes como parte da segurança e desse desenvolvimento tão desejado pela população. Todas essas funções que mencionei, essas cinco funções, demonstram que este não é um exército apenas para a guerra convencional; nós precisamos estar preparados para tudo. Em cada uma dessas funções existem tarefas específicas, muito diferentes umas das outras; então, é preciso que tenhamos organizações flexíveis, que saibam mudar rapidamente uma organização, ou uma ideia, ou uma missão, e enfrentar outra. Temos que ser ajustáveis ao material, às ferramentas de que possamos dispor. Temos que ser interoperáveis, porque não é apenas o Exército que participa; nossa Marinha, nossa Força Aérea e a Polícia Nacional também participam. Temos que ser ágeis de pensamento e também honestos para podermos agir com paciência e prudência para alcançar tudo aquilo que um exército do século XXI possa ter.
Diálogo: O Peru deseja ser membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), como é o caso da Colômbia?
Gen Ex Céliz: Sim. Desejamos, em algum momento, pertencer à OTAN. É claro que se trata de um processo longo, mas também precisamos estar devidamente organizados, implementados, para podermos falar o mesmo idioma, a mesma linguagem. O mundo atual é uma aldeia global; isso é uma realidade e devemos ter consciência de que no mundo não somos uma ilha, nem sequer na região latino-americana. Somos vizinhos, compartilhamos uma série de ameaças. Falamos da segurança nacional, mas também temos vários pontos fortes, e juntos poderemos enfrentar essas ameaças com maior êxito. E é isso que almejamos, fazer parte de uma organização econômica, fazer parte de um grupo que visa a segurança de maneira específica. Não podemos nos dissociar nessa época. Ao contrário, precisamos unirmo-nos para solucionar nossos problemas de maneira conjunta, e isso faz parte do fato de pertencer à OTAN. Se houvesse uma organização similar na América Latina, creio que esse seria o desejo de todos os governantes e de todos os chefes de forças armadas.
Diálogo: O senhor teria algo mais a acrescentar?
Gen Ex Céliz: A transformação das instituições é uma ambição bastante difícil e muito desafiadora. Existem coisas que podem ser feitas imediatamente sem qualquer custo, como a mudança de mentalidade, da cultura organizacional. Quando falo com meus soldados, eu lhes digo que precisamos ser muito comprometidos. Não devemos esperar uma mudança ou uma transformação de um dia para o outro, ou de repente. O processo de transformação é longo, necessita ter muito fôlego e, quando atingirmos essa meta almejada, encontraremos outra necessidade de transformação, porque a única constante, como dizia um filósofo da era antiga, a única constante é a mudança, e nesse mundo vertiginoso em que vivemos, com mudanças diárias, devemos nos transformar diariamente.