O negócio marítimo do Panamá está sendo transformado pela complexa interação entre múltiplos fatores. Entre eles estão o crescente poder econômico e político da China e a disputa entre chineses e norte-americanos, os impactos estruturais a longo prazo da COVID-19, tanto na região quanto no comércio global, as políticas dos EUA para conter a imigração a partir dos países do Triângulo Norte, as mudanças climáticas, o aumento do populismo de esquerda na América Latina, a concorrência China-Taiwan, as tendências tecnológicas, a evolução da infraestrutura regional e a reestruturação do próprio setor de transporte marítimo. A demanda pelo Canal do Panamá e portos associados provavelmente continuará forte, mas a composição desse tráfego, das rotas, dos operadores e do papel das instalações complementares e concorrentes em outros lugares da região provavelmente se transformarão drasticamente na próxima geração.
A evolução do cenário estratégico
A competição Estados Unidos-China, sem uma possível, mas improvável, grande guerra entre os dois países, não diminuirá diretamente o comércio marítimo transpacífico e o uso do Canal, mas terá um impacto indireto de várias maneiras.
Mais significativamente, o movimento de nearshoring [quando um negócio muda suas operações para um país mais próximo, ao invés de utilizar os serviços de outro mais distante] provavelmente se fortalecerá, impulsionado pela possibilidade de sanções, tarifas e outras interrupções decorrentes da disputa entre Estados Unidos e China. Mas, também pela crescente necessidade de criar novas opções de fornecimento para empresas americanas, embora para alguns países como Brasil e Argentina, as disputas comerciais possam aumentar seus negócios com a China às custas dos EUA e da Europa.
Antes do acordo da “fase 1” de janeiro de 2020, resolvendo temporariamente a disputa comercial entre a República Popular da China (RPC) e os Estados Unidos, a substituição da China com relação às compras de soja dos EUA por compras de soja do Brasil prejudicou o negócio do Canal do Panamá, uma vez que grande parte da soja dos EUA, que se dirigia à China, descia o rio Mississippi até o Golfo do México, para depois passar pelo Canal do Panamá, chegando até a China através do Pacífico. O Canal do Panamá estimou esta perda em cerca de US$ 30 milhões. A soja brasileira, ao contrário, viajava geralmente na direção leste, em torno do corno da África até a China. No entanto, os embarques de gás natural liquefeito (GNL) dos EUA, cada vez mais importantes para a RPC (e o Japão), não foram afetados pela disputa, já que seu volume através do Canal continuou a aumentar devido à pandemia, embora uma decisão estratégica da RPC, no futuro, de obter mais GNL de países como o Qatar, em vez dos EUA e de Trinidad e Tobago, possa prejudicar essa fonte de negócios cada vez mais importante do Canal. Entretanto, os Estados Unidos continuarão sendo uma importante fonte de gás.
Embora a atual crise de transporte de contêineres, juntamente com a instabilidade das cadeias de valor globais, venha a ser resolvida, incidentes como o bloqueio do Canal de Suez e o fechamento da RPC no início da pandemia da COVID-19 continuarão a elevar a consciência dos riscos do transporte entre a região e a Ásia e dos problemas de ter cadeias de valor localizadas, à medida que as empresas tomam decisões sobre a cadeia de abastecimento, passando de uma estratégia de inventário “Just in Time” (justo a tempo) para uma estratégia “Just in Case” (por via das dúvidas). A consolidação da indústria naval mundial de transporte em três grandes alianças: 2M (MSC, Maersk e HMM), Ocean Alliance (CMA CGM, COSCO, OOCL e Evergreen), e THE Alliance (Hapag-Lloyd, NYK, Yang Ming, MOL e K-Line) provavelmente facilitará as decisões que mantêm as taxas de frete e os lucros elevados. A entrada em serviço de uma nova onda de grandes navios porta-contêineres, encomendados em 2020 e que serão entregues em 2023, pode trazer algum alívio quando os portos investirem e aprenderem a carregá-los e descarregá-los efetivamente, embora os impactos serão sentidos principalmente nos terminais de importação-exportação mais do que nos centros de transbordo como o Panamá.
Nearshoring: uma opção viável?

Embora importante, a mudança para o nearshoring será apenas parcial, devido às relações de fornecimento estabelecidas, aos incentivos de custo que continuam a favorecer os fornecedores asiáticos e ao uso de uma infraestrutura portuária de grande porte estabelecida a longo prazo. De fato, durante a pandemia, a principal mudança não foi um aumento significativo de abastecimento na Ásia para um abastecimento na América Latina, mas sim, alguma expansão do armazenamento e alguma fabricação leve em lugares como o Panamá para gerenciar riscos de interrupções na cadeia de abastecimento. Enquanto o armazenamento – a possibilidade de agregar valor aos produtos em zonas de livre comércio e, em última instância, substituir fornecedores regionais por chineses – poderia, em última instância, reduzir algumas importações da Ásia, os altos custos de mão-de-obra e eletricidade do Panamá, e sua distância de mercados importantes como os Estados Unidos ou o Brasil, indiscutivelmente limitam o potencial de longo prazo para tal dinâmica. Outros fatores relevantes incluem a conversa nos EUA e na UE sobre um “imposto mínimo global” coordenado, que poderia minar os benefícios econômicos do uso de zonas de livre comércio ou zonas especiais de processamento, como as do Panamá. Além disso, a crescente presença de empresas chinesas na América Latina alimentará o ímpeto para obter seus produtos de fornecedores chineses em vez de fornecedores locais, gerando, possivelmente, atritos adicionais.
As importações da China são também apenas a metade da equação para o comércio transpacífico. É provável que a China e outros países continuem a exigir quantidades significativas de artigos de primeira necessidade e produtos agrícolas da América Latina, para os quais o Canal do Panamá, e outras rotas, continuarão a desempenhar um papel fundamental. A conectividade marítima e aérea do Panamá continuará a beneficiar o comércio global e as exportações da região.
Além de tal dinâmica, a natureza de uma mudança parcial para o nearshoring no Panamá e seus portos é pouco clara. Embora pudesse frear o crescimento da demanda de navios porta-contêineres cada vez maiores para rotas transpacíficas, como a classe Maersk EEE, poderia expandir a demanda de navios porta-contêineres menores, dos quais apenas alguns utilizariam o canal. Estes serão navios mais regionais ou de alimentação que servirão os mercados regionais. Alguns dos negócios inter-regionais poderiam passar pelo porto central do Panamá, Colón, mas navios menores e certas indústrias iriam para portos regionais locais como Limón (um novo centro Maersk para carga agrícola) e La Unión (se desenvolvido pelos chineses como proposto atualmente). As rotas terrestres também podem se tornar mais competitivas para certas cargas, particularmente se forem feitas melhorias na infraestrutura associada, financiadas pela China ou pelas instituições norte-americanas e ocidentais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento ou o Banco Centro-Americano de Integração Econômica, como parte dos esforços para apoiar o desenvolvimento na região. Esses poderiam incluir a ampliação da Rodovia Interamericana, melhorando as conexões das regiões produtoras com os principais portos e uma possível conexão ferroviária do México ao Panamá, através da nova ferrovia Maia. Em setembro de 2021, a Canadian Pacific Railway Ltd adquiriu a Kansas City Southern, ligando Canadá, Estados Unidos e México (a Kansas City opera a concessão ferroviária no Panamá, ligando os portos da Cidade do Panamá à cidade de Colón).
Perspectivas para a região ao redor do Canal
A médio prazo, o crescimento do comércio inter-regional e qualquer substituição do comércio transpacífico será impactado pelos persistentes efeitos estruturais da COVID-19, em combinação com as mudanças políticas que estão ocorrendo na região. A pandemia deslocou temporariamente uma parte do comércio da região, gerado pela classe média e pequenas empresas, e o aumento das taxas de frete está diminuindo o poder de compra local dos consumidores. Além disso, os governos ficaram com mais dívidas e restrições fiscais que podem dificultar os gastos com estímulo econômico e grandes projetos de infraestrutura. Além disso, a expansão dos governos populistas, incluindo Venezuela, Nicarágua, Cuba, Bolívia (com o retorno do partido político MAS), Argentina e Peru, pode prejudicar ainda mais a região, que já sofre há anos com protestos e guerra de classes, apropriação de propriedades e fuga de capitais, o que pode descarrilar o desenvolvimento de mercados e infraestruturas que apoiam um maior comércio inter-regional. O atual Processo da Assembleia Constituinte do Chile, a vitória do partido LIBRE nas eleições de novembro de 2021 em Honduras, a eleição de Gustavo Petro ou outro presidente de esquerda na Colômbia em maio de 2022, e o possível retorno de Lula e do Partido dos Trabalhadores no Brasil, em outubro de 2022, sugerem que um novo comércio inter-regional que desloca os padrões transpacíficos pode aparecer em breve.
Por outro lado, essa onda populista pode apoiar padrões de exportação e infraestrutura que reforçam os laços entre a China e a América Latina. Com a diminuição da oposição democrática na Venezuela, a China National Petroleum Company já está acelerando sua produção de petróleo orientada para a China, apoiada pelo regime de Nicolás Maduro. Governos populistas provavelmente significarão mais projetos de infraestrutura baseados em empréstimos que fortalecem os laços da região com a RPC, como o porto de La Unión, em El Salvador, o porto de minerais de Chancay, no Peru, a modernização do sistema ferroviário Belgrano-Cargas, na Argentina, ou a expansão da infraestrutura portuária, ferroviária e rodoviária no Brasil para a exportação de sua soja e ferro para a RPC, ou mesmo a ressurreição dos “canais secos” interoceânicos através do México (Veracruz para o Porto Salinas Cruz) ou da Colômbia.
A continuação da “guerra diplomática” RPC-Taiwan pode levar ao reconhecimento da RPC por Honduras, Nicarágua, Guatemala e Belize, entre outros, em um futuro próximo. Isso, por sua vez, poderia levar a mais infraestrutura e relações comerciais orientadas para a China, incluindo uma possível modernização do canal seco de Honduras, do Golfo de Fonseca até Ceibo. No entanto, projetos transformacionais como um canal da Nicarágua provavelmente continuarão a ser inviáveis a curto prazo. Além disso, embora os altos custos de mão-de-obra no Panamá possam deslocar alguns negócios portuários do país para outros terminais na região, os projetos de infraestrutura em andamento nesses portos, ou ligando-os à região, não irão superar a lógica econômica do Canal ou as relações comerciais que posicionam o Panamá como um centro de transbordo. No último ano, muitas empresas de navegação reestruturaram suas redes para tirar proveito da conectividade do Panamá.
Ironicamente, alguns dos maiores impactos nos padrões regionais de comércio podem vir de longe. Se as taxas de frete se mantêm elevadas, por exemplo, as novas rotas viabilizadas por investimentos e promoções da chinesa “Cinturão e Rota”, tais como a rota de transporte marítimo (e trem de apoio) China-Alemanha-Costa Leste dos EUA aberta pela Orient Overseas Container Line (OOCL), poderiam fazer com que essa conexão entre a China e a Costa Leste dos EUA, que não utiliza o Canal, fosse tão viável economicamente quanto o atual trânsito transpacífico, que o utiliza. Além disso, ciclos de aquecimento global mais rápidos e mais investimentos da Rússia, China e países europeus na região do Ártico poderiam aumentar o uso da rota do Ártico que, no futuro, poderia se expandir para conectar a Ásia e a Europa à costa leste dos EUA com navios maiores. Da mesma forma, a adoção pela UE de uma nova “taxa de carbono” e sua implementação mais ampla pela administração de Joe Biden nos EUA ou outros, poderia ter um impacto fundamental na lógica econômica de agenciamento de compras, beneficiando novos atores de áreas como a África e talvez a América Latina, mudando assim os padrões logísticos globais que envolvem o Panamá.
Uma última questão é quem se beneficiará e controlará a infraestrutura marítima do hemisfério ocidental em evolução. No momento, parece haver um equilíbrio aproximado entre as principais alianças marítimas e as relações entre as alianças marítimas e os operadores portuários. Há algumas mudanças interessantes entre transportadores, companhias marítimas e proprietários, como o que foi feito por Home Depot e Walmart (proprietário), fretando seus próprios navios, bem como Amazon, que se expandiu do setor de armazenagem para o negócio de transporte. Dentro do próprio Panamá, a renovação da concessão da Hutchison para o porto de Balboa, a revogação da licença de operação do Porto de Contêineres de Panamá Colón (PCCP, em inglês) pela China Landbridge, como também a melhoria contínua da viabilidade do Terminal Internacional de Manzanillo (MIT, em inglês) e Evergreen, sugerem uma relativa estabilidade ali, embora uma mudança em qualquer outra dinâmica mencionada aqui possa ter impactos em cascata nessas relações.
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