O estudo científico para identificar os novos desafios das forças de segurança e as respostas mais adequadas a cada um deles precisa ser iniciado com uma análise geopolítica. A leitura de cenário precisa ter visão de futuro. Na última década, americanos e europeus combateram nas montanhas do Afeganistão; colombianos e peruanos disputam o controle de territórios com narcoguerrilhas; e portugueses desdobraram tropas para combater nos desertos da República Centro Africana contra nativos que se movem com velocidade, num terreno que dominam. Mas é preciso perceber que há uma forte tendência na urbanização da população, levando à possibilidade da criação de cidades ingovernáveis.
Rio de Janeiro

Um dos exemplos clássicos dessa tendência é o Rio de Janeiro, onde centenas de grupos armados com fuzis se deslocam entre as mil e quinhentas comunidades que, em sua maioria, estão sob o controle de milicianos e narcotraficantes. Só isso já evidencia uma pulverização de conflitos e caracteriza um cenário de confrontos de diferentes matizes. Algumas vezes, embates ocorrem entre o Estado e criminosos, em outras, as disputas são entre as próprias gangues pela disputa de territórios.
Forças Armadas se adaptam
Trinta anos atrás, a maioria dos exércitos não estava preparada para confrontos urbanos de baixa intensidade, com enfrentamentos da insurgência criminal. No entanto, no Brasil, percebe-se uma rápida adaptação das Forças Armadas a este novo cenário, com a evolução do equipamento das tropas, a mecanização de unidades de infantaria do Rio de Janeiro (principalmente) e a alteração nos módulos de instrução, além da criação do Centro de Instrução de Operações de Garantia da Lei e da Ordem em Campinas (SP) e dos Centros de Adestramento especializados em mais de uma região.
Vale ressaltar também o incremento da carga horária, dos estudos de caso e das publicações acadêmicas sobre o tema nas escolas de formação, de aperfeiçoamento e de altos estudos.
No século XXI, a intolerância da opinião pública sobre baixas militares em operações aumentou, principalmente em conflitos fora dos territórios dos países, levando a questionamentos sobre gastos orçamentários voltados para este tipo de atividades. Por sua vez, esse cenário favoreceu a consolidação do conceito das companhias militares privadas, onde ex-militares recebem muito mais, a serviço de terceiros e sem o desgaste diplomático institucional no caso de morte do agente. Outra consequência foi a identificação da necessidade de se usar mais tecnologia para que a capacidade de observação, os ataques remotos, a excelência nas comunicações e a robotização possam proteger vidas de combatentes.
A ética sobre o uso de drones
A observação de um terreno urbano é muito dificultada pela geografia. Os americanos normalmente monitoram as atividades de uma área antes de intervir através de satélites e drones por longos períodos. No Brasil, a estreia dos drones como plataforma de vigilância nas operações urbanas foi por ocasião da Operação São Francisco, quando as Forças Armadas permaneceram ocupando o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em 2013 e 2014.
Robôs têm precedido a progressão de tropas israelenses e americanas para localizar e neutralizar dispositivos eletrônicos improvisados e permitir a visualização de resultados de ações no terreno, pois uma das maiores dificuldades existentes, especialmente nos armamentos modernos, é saber o resultado do fogo. Finalmente, os robôs têm uma função relevante: reunir evidências para poder justificar as ações das Forças Armadas ou policiais em relação à opinião pública, políticos ou um tribunal.
A grande questão de hoje nas democracias ocidentais, que em breve chegará ao Brasil, é se o uso de robôs é ético. De fato, não é a mesma coisa enviar um drone para fazer um “bombardeio cirúrgico” na província de Idlib, Nordeste da Síria, ou enviar uma equipe do Delta Force para eliminar Abu Bakr al-Baghdad, líder do Estado Islâmico.
A política e os conflitos
No nível da decisão política, não é fácil. O problema é que, com um drone, a gradação na resposta é mais limitada. Homens no terreno significam elevado risco de baixas humanas, mas ainda podem parar de apertar o gatilho se uma criança estiver na frente do alvo. Essa é a diferença entre uma arma transportada por um avião e um míssil, ou seja, é muito mais difícil interferir no resultado de um míssil após ele ter sido enviado. Enquanto isso, há possibilidade de interferir na ação de um piloto de uma aeronave, até o último momento, ou dar flexibilidade do “bom senso” dependendo do que ele avaliar sobre a situação. Com um drone, a condenação é menos flexível, o que pode representar um problema moral.
Outro debate que se trava em relação à questão da ética é muitas vezes colocado de maneira quase ingênua. Quando se criticam as intervenções militares de alguns países com bombardeios por vetores aéreos sem que haja uma declaração de guerra, omite-se que há muito tempo muitos países enviam forças especiais contra atores externos, mesmo em tempos de paz. É claro que isso não começou com os drones. Também vale dizer que os israelenses não hesitaram em caçar os responsáveis pelo atentado contra os atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique de1972, um por um.
Ainda com relação à ética, também vale mencionar a vertente da guerra eletrônica, que envolve desde a interferência nas comunicações das forças adversas até a interceptação de conversas, com a finalidade de servirem como fontes de dados. Quando se opera num teatro de operações externo ao território nacional, a liberdade é muito maior.
Operadores de forças especiais de países europeus têm muito mais liberdade para caçar militantes jihadistas com passaporte europeu e eliminá-los no Iraque ou Afeganistão do que dentro dos territórios dos países integrantes da OTAN. Vale ressaltar que uma tropa que opera fora do território nacional possui normalmente uma regra de engajamento com muito mais liberdade de ação e menos questionamentos do que uma tropa que participa de operações de Garantia da Lei e da Ordem dentro do país.
A razão disso numa democracia é bem clara: qualquer resultado, bom ou ruim, terá reflexo nas eleições. Nesse sentido, é sempre melhor errar para menos porque na construção da narrativa que predomina por parte da imprensa, é preferível que um policial ou militar tenha uma exposição maior ao risco do que um civil. Basta ver as repercussões da morte de agentes do Estado e a de civis. É nesse sentido que existe um esforço de parlamentares ligados à Segurança Pública buscando a aprovação do excludente de ilicitude no caso de legítima defesa para os militares que têm participado dessas operações, como foi no caso do emprego de tropas federais brasileiras durante o carnaval de 2020.
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