O alcance da máfia italiana ‘Ndrangheta’ se estende por toda a América Central e do Sul, e a organização criminosa, uma das mais poderosas do mundo, tornou-se um dos principais aliados europeus dos traficantes de droga latino-americanos, diz InSight Crime, uma organização dedicada ao estudo do crime organizado na América Latina e no Caribe, em uma série de relatórios do final de 2022.
“A conexão é a que existe entre importadores/financiadores e produtores/traficantes: alguns clãs da ‘Ndrangheta – não todos, em absoluto – têm dinheiro suficiente para comprar cocaína e desenvolveram laços estreitos através dos seus próprios intermediários em lugares-chave da América Latina, para aceder a produtores e traficantes”, disse à Diálogo Anna Sergi, professora de criminologia da Universidade de Essex, na Inglaterra, especialista em crime organizado e máfia. “Assim, a ‘Ndrangheta financia o trabalho e depois os corretores da ‘Ndrangheta negociam os acordos com agentes de outras cidades europeias ou diretamente na América Latina”, acrescentou Sergi.
Esta estrutura favorece a continuidade das atividades ilícitas. “As operações descentralizadas da ‘Ndrangheta dão aos clãs a flexibilidade para se adaptarem às perdas dos cabeças ou líderes, limitando simultaneamente as consequências para a rede em conjunto”, observou InSight Crime.
Portos europeus
A ‘Ndrangheta utiliza desde a década de 1990 o porto italiano de Gioia Tauro, como porta de entrada da cocaína na Europa. Mas, nos últimos anos, à medida que Gioia Tauro perdeu importância como centro do comércio de mercadorias legais e ilegais, os traficantes recorrem aos maiores portos da Europa, como Antuérpia e Roterdã.
“Em 2021, as autoridades belgas e holandesas nesses dois portos apreenderam 89 e 70 toneladas de cocaína respectivamente, muito mais do que as 13 toneladas apreendidas em Gioia Tauro”, especificou InSight Crime.
Cartéis e paramilitares
Sergi recorda que nos últimos anos houve relatos de vínculos da ‘Ndrangheta com numerosos grupos criminosos na América Latina. Entre eles, a organização paramilitar colombiana Los Urabeños, mais conhecidos como Clã do Golfo, e facções do Primeiro Comando da Capital, do Brasil, bem como grupos criminosos, como Los Zetas, do México, os cartéis de Cali e Medellín e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Segundo InSight Crime, existem membros da Ndrangheta que foram detidos sob acusação de narcotráfico em praticamente todos os países da América Latina.
Com a presença crescente da ‘Ndrangheta na América Latina, as autoridades locais e regionais intensificam suas ações para combater esta organização criminosa transnacional. Em 26 de outubro de 2022, membros da Polícia Federal Argentina (PFA) prenderam o italiano Carmine Alfonso Maiorano, acusado de ser um dos líderes da ‘Ndrangheta.
“Ele está sendo investigado por ser uma suposta ligação entre a máfia e suas operações de narcotráfico na América Latina”, informou o site de notícias argentino Infobae. Maiorano foi capturado após meses de inteligência policial e acompanhamento pelo Departamento Antimáfia da PFA, em uma casa em Guernica, província de Buenos Aires.
Entretanto, em agosto de 2022, a Polícia Federal (PF) do Brasil capturou outro membro da ‘Ndrangheta no estado de Goiás. O homem, cujo nome não foi divulgado, era acusado de enviar cocaína para a Itália escondida entre pisos de granito, a partir de um porto no estado do Espírito Santo, Brasil. “[Trata-se de] um criminoso conhecido pelas autoridades europeias, italiano e membro da temida ‘Ndrangheta, uma organização mafiosa que controla uma parte significativa do tráfico de cocaína com destino à Europa”, disse a PF em um comunicado.
A captura foi possível graças à cooperação entre os agentes da PF e a Guardia di Finanza, a polícia financeira da Itália. “As investigações começaram com informações obtidas da Itália, após a apreensão de 338 quilos de cocaína no porto de La Spezia e a detenção de quatro pessoas em flagrante delito – um brasileiro, um italiano e dois albaneses –, em dezembro de 2020”, informou o site da CNN Brasil.
Cooperação com a INTERPOL
A cooperação entre as autoridades latino-americanas e a INTERPOL é fundamental para a luta contra a ‘Ndrangheta na região. Em julho de 2022, por exemplo, o italiano Rocco Morabito foi extraditado do Brasil para a Itália acompanhado por agentes italianos que fazem parte da Iniciativa da INTERPOL para a Cooperação contra a ‘Ndrangheta.
“Morabito é considerado um dos principais corretores internacionais e um dos fugitivos mais procurados do mundo, segundo o Ministério do Interior italiano”, informou a INTERPOL em um comunicado. “A extradição acontece após uma intensa cooperação entre os Gabinetes Centrais Nacionais da INTERPOL no Brasil e na Itália”, disse a organização internacional de polícia.
“A extradição de Rocco Morabito envia uma mensagem poderosa: por muito forte que seja a rede criminosa dos grupos mafiosos, a nossa rede policial global é mais forte”, declarou Giovanni Bombardieri, procurador chefe da Promotoria Antimáfia da cidade italiana de Reggio Calabria.