Com o acirramento da crise política e da pandemia do coronavírus, o regime de Nicolás Maduro cedeu o controle de diversas áreas urbanas em Caracas e no interior do país aos denominados grupos armados ilegais coletivos.
Na entrada da paróquia 23 de Enero, a apenas meio quilômetro do palácio presidencial de Miraflores, essas organizações assumiram a missão de controlar a passagem de transeuntes e veículos.
De acordo com várias ONGs de direitos humanos, como o Observatório Venezuelano de Conflitividade Social (OVCS), durante o primeiro semestre de 2020 acirrou-se a repressão através da imposição de medidas de confinamento social, nas quais os grupos armados ilegais coletivos tiveram um papel fundamental junto às Forças de Ações Especiais da Polícia Nacional e da Guarda Nacional Bolivariana. Essas organizações tiveram uma atuação destacada durante a repressão a 221 manifestações ocorridas entre janeiro e junho deste ano, explicou o OVCS.
Simultaneamente, segundo o OVCS, os grupos armados ilegais coletivos participaram de ações de violência seletiva e ameaças contra a dissidência política, através da chamada Operação Fúria Bolivariana, realizada por Maduro no final de março.
“Cinquenta e sete pessoas foram vítimas de atos de intimidação, que incluem o vandalismo nas fachadas de suas residências com mensagens ameaçadoras”, informou a ONG venezuelana de direitos humanos Provea.
Em seu perfil no Twitter, a Provea informou que no primeiro mês do estado de alerta, que foi decretado em 13 de março, foram feitas 34 detenções arbitrárias, das quais 10 foram contra jornalistas.
Embora não exista um cálculo preciso quanto ao número de grupos armados ilegais coletivos que operam no país, um relatório publicado pela Provea em abril de 2019 indica que haveria pelo menos 70 grupos. Inicialmente, eles eram vistos apenas de forma intermitente em grandes cidades como Caracas, Barquisimeto e Mérida.
“Eles fazem um trabalho de repressão contra a dissidência política, o qual se torna menos custoso em termos políticos para o regime, em comparação ao que realizam as instituições de segurança. Usando trajes civis, eles dão a impressão de que se trata de um conflito do povo contra o povo, e isso tem um custo menor”, explicou Marino Alvarado, coordenador de Difusão e Investigação da Provea.
Para Alvarado, os grupos armados ilegais coletivos avançaram em um processo de “assimilação” para conquistar a aceitação dentro da estrutura da Força Armada Nacional Bolivariana. Ele disse que isso explicaria a participação ativa desses grupos em todos os exercícios cívico-militares realizados desde o final de 2019.
Esses grupos, indicou, se transformaram em agentes fundamentais na prática da “guerra popular prolongada”, que reivindica a transformação do exército regular em uma espécie de força guerrilheira, fundida com “estruturas do poder popular”.
“É por essa razão que os [grupos armados ilegais] coletivos não apenas se fortaleceram nos últimos anos, mas também a Força Armada se viu obrigada a admiti-los, treiná-los e armá-los”, afirmou.