A junta diretiva do Fundo Verde para o Clima (GCF) da Organização das Nações Unidas (ONU) suspendeu os desembolsos para o projeto “BioCLIMA: Ação Climática Integrada para Reduzir o Desmatamento e Fortalecer a Resiliência nas Biosferas de Bosawás e Río San Juan” na Nicarágua, devido a “casos de não cumprimento de políticas”, informou o GCF.
“Um dos maiores erros do regime é impor essa proposta e buscar financiamento pelas costas dessas comunidades indígenas e afrodescendentes, porque elas nunca se deram conta das atividades que eles iriam realizar”, disse à Diálogo, em 8 de setembro, Amaru Ruiz, biólogo e presidente da ONG nicaraguense Fundación del Río, uma das organizações que monitoram o caso. “O projeto ainda está ativo e o regime de Ortega-Murillo tentará, por todos os meios e com todas as suas capacidades, apresentar um nível de conformidade com os sinais emitidos.”
A decisão de suspender os desembolsos decorre de uma investigação iniciada pelo Mecanismo Independente de Reparação do GCF, depois que os nativos disseram que o projeto era prejudicial, devido à falta de consentimento livre, prévio e informado das atividades; degradação ambiental; invasões de territórios indígenas e ataques violentos por colonos não indígenas armados; e um aumento nesses casos de agressão.
Após a reclamação, o GCF iniciou uma investigação e suas conclusões estão definidas em seu Relatório de Revisão de Conformidade, que enfatiza que esse projeto, aprovado em 13 de novembro de 2020, deve “promover a condução sustentável do uso da terra e o manejo florestal, para restaurar paisagens florestais degradadas nas Reservas da Biosfera de Bosawás e Río San Juan, na região caribenha da Nicarágua”.
“O conselho do Fundo Verde, que concedeu milhões de dólares à ditadura dos Ortega-Murillo, finalmente tomou a decisão certa e decidiu suspender a concessão de dinheiro para a Nicarágua, devido ao não cumprimento das políticas e procedimentos”, disse ao jornal espanhol El País Félix Maradiaga, ex-candidato à presidência da Nicarágua e um dos presos políticos exilados nos Estados Unidos. “É de conhecimento geral que esse fundo, criado com boas intenções no âmbito do programa Bio-CLIMA, foi manipulado durante anos para financiar as estruturas políticas da ditadura.”
Três dos principais problemas que são difíceis de resolver para continuar com o projeto são: primeiro, o projeto foi formulado a partir de uma visão distante dos conflitos e interesses desses territórios; segundo, as famílias nativas não querem que as famílias invasoras, que em muitos casos as desalojaram ou mataram seus parentes, vivam nesse território; e terceiro, o projeto beneficia as famílias invasoras que contribuíram para o desmatamento das florestas, aponta Ruiz.
A Plataforma de Unidade pela Democracia (PUDE), formada por nove organizações de oposição na Nicarágua e no exílio, solicitou que o desembolso para o projeto Bio-CLIMA não fosse autorizado, pois os fundos poderiam ser usados para violações de direitos humanos em territórios indígenas, informou a plataforma suíça Swissinfo.
“Esse fundo, em vez de favorecer as comunidades indígenas, oxigenará as ações autoritárias e violentas da ditadura Ortega-Murillo; permitirá que continuem com a repressão sistemática e repetida das populações”, declarou PUDE em suas redes sociais. “Várias organizações ambientais e de direitos humanos alertam que as populações indígenas da Nicarágua correm o risco de serem exterminadas pela constante invasão de seus territórios.”
O Observatório dos Povos Indígenas e Afrodescendentes registrou 571 violações de direitos humanos em 83 comunidades de 17 territórios indígenas da Costa Caribe Norte da Nicarágua, com fatos como invasão de terras por colonos ou terceiros, criminalização de defensores, violência política e repressão contra a autonomia comunitária, detalhou o portal Nicaragua Investiga.
“É a primeira vez que uma denúncia chega ao conselho e isso abre um precedente preocupante”, disse Florencia Ortúzar, advogada da Associação Interamericana de Defesa Ambiental, à revista Climate Change News. “Não sabemos quais questões de incumprimento serão examinadas e como serão tratadas.”
A decisão de suspender os desembolsos é a primeira desse tipo, desde a criação do fundo em 2010. Ela chega no final de um processo que levou mais de dois anos desde que as comunidades indígenas e afrodescendentes apresentaram a queixa, informou o site nicaraguense Confidencial.
Se o regime de Ortega-Murillo quiser acessar os fundos e continuar o projeto, deverá realizar uma consulta livre, prévia e informada, identificar uma terceira parte independente para supervisionar as ações do projeto e usar os recursos de forma transparente, concluiu Ruiz.