Pelo menos 420 médicos e profissionais da saúde dos hospitais públicos da rede do Ministério da Saúde da Nicarágua foram afastados de suas funções entre 2018 e 2019, por defenderem o direito ao atendimento médico das pessoas classificadas como dissidentes, informou a Unidade Médica Nicaraguense, uma ONG que luta pelos direitos dos profissionais da saúde. Em contraposição, a assistência médica cresce na clandestinidade.
“O governo tenta levar as pessoas ao grau máximo de subjugação para que só tenham duas opções: permanecer no país e esperar o pior ou sair dele”, disse à Diálogo Carla Sequeira, diretora de assessoria legal da Comissão Permanente de Direitos Humanos da Nicarágua. “A repressão e as ameaças não começaram na primavera de 2018, mas sim desde que Ortega reassumiu a presidência [em 2007].”
“Muitas salas no país [são] pequenos consultórios e clínicas clandestinas para atender os reprimidos”, declarou à Diálogo o Dr. José Luis Borge, presidente da Unidade Médica Nicaraguense. “Os profissionais da saúde vivem sob o assédio policial por cuidarem dos cidadãos que o governo não quer atender, principalmente manifestantes, ex-prisioneiros e familiares de presos políticos.”
Quase 70 anos depois de a Organização das Nações Unidas ter determinado que o acesso à saúde é um direito humano fundamental, na Nicarágua o cenário é diferente. Esse é o caso de Amaya Coppens, estudante nicaraguense detida em setembro de 2018, acusada de terrorismo e libertada em junho de 2019. “Coppens ficou marcada como cidadã de segunda categoria e lhe foram negados serviços médicos e educacionais”, informou o jornal mexicano La Tribuna. “Esse é o outro lado da repressão”, disse Borge.
“Os ex-prisioneiros e seus familiares vivem uma morte civil. Não podem ir aos hospitais públicos porque são atendidos com negligência ou rechaçados, os documentos de identidade lhes são negados, não podem trabalhar e são expulsos das universidades e de outros serviços públicos”, acrescentou Sequeira. “Muitos deles estão sendo processados novamente por delitos comuns.”
O gerenciamento da saúde pública na Nicarágua fez com que o Canadá e o Gabinete de Controle de Ativos Estrangeiros do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos sancionassem, em junho, a então ministra da Saúde Sonia Castro, por ter negado assistência médica aos manifestantes feridos e pela demissão de profissionais médicos. Atualmente, Castro é assessora pessoal de Ortega.
A população sofre os efeitos negativos da perda de especialistas e voluntários da área da saúde. Segundo Borge, a Nicarágua deixou de proporcionar mais de um milhão de consultas médicas e 20.000 cirurgias de emergência nos últimos 20 meses. A fila de espera para os pacientes de especialidades cirúrgicas é de quase um ano, afirmou.
Borge declarou à imprensa que foi sequestrado quando chegava a um restaurante, no dia 19 de novembro. “Eles nunca mostraram os rostos. Eu queria saber o que iriam fazer comigo, se me matariam, ou o quê. Apenas me diziam que ‘ainda não tinham ordens’. [No dia 20 de novembro] me tiraram de lá com o rosto coberto e me soltaram perto da Universidade Nacional Agrária. Eles disseram: ‘bem, doutor, o senhor teve muita sorte. Há desaparecidos que nunca mais aparecerão.’”