A cooperação internacional e as capacidades e esforços conjuntos são as ferramentas que a Guatemala utiliza para combater as organizações internacionais criminosas.
De acordo com o General-de-Brigada do Exército da Guatemala Williams Mansilla Fernández, Ministro da Defesa Nacional da Guatemala, é preciso enfrentar as ameaças de segurança tradicionais e não tradicionais que a América Latina e o Caribe enfrentam como uma solução regional. O general concedeu uma entrevista à Diálogo durante o “Seminário Regional Centro-Americano para Combater as Redes de Ameaças Transregionais e Transnacionais (T3N, por sua sigla em inglês)” realizado de 20 a 22 de junho em Antigua, na Guatemala.
O Gen Bda Mansilla, que assumiu o Ministério da Defesa em julho de 2015, disse que a cooperação internacional precisa dos recursos de cada país. A sinergia de cooperação, a amizade e a confiança mútua são os fatores decisivos para a luta contra as organizações transnacionais criminosas. Ele também falou sobre as prioridades de segurança de seu país, os avanços conseguidos na luta contra o crime transnacional, o respeito pelos direitos humanos e a inclusão de gênero nas forças armadas, entre outros temas.
Diálogo: Ministro Mansilla, quais são seus desafios mais importantes quanto à defesa da Guatemala?
General-de-Brigada Williams Mansilla Fernández, Ministro da Defesa Nacional da Guatemala: A escassez de recursos é algo constante. Não existe instituição que tenha recursos suficientes para fazer tudo o que pretende. Um dos principais desafios que temos é conseguir fazer o máximo possível com o que temos. A demanda da presença do Estado em muitos lugares do país é crescente. Nós baseamos nossas ações no recurso humano. Sua entrega e seu espírito de serviço foram importantes para compensar a falta de recursos. Apesar do orçamento limitado, sempre pensamos em recuperar as capacidades que iam se esgotando nos últimos anos. Nós até buscamos adquirir novas capacidades para cumprir melhor nossas funções em benefício da cidadania.
Diálogo: Quais são as prioridades de segurança que a Guatemala enfrenta?
Gen Bda Mansilla: A prioridade do atendimento aos temas de segurança cidadã são responsabilidade do Ministério do Interior. Os temas de segurança pública que exigem a utilização temporária dos recursos militares são objeto do Conselho Nacional de Segurança. Todas as circunstâncias que propiciam a insegurança são prioritárias, já que a complexidade das relações com as quais se entrelaçam não permite deixar nenhuma delas de lado. Diante desse cenário, a prioridade em segurança é conseguir uma ação coordenada do Estado para que se aproveitem e maximizem os recursos disponíveis para combater ou eliminar as ameaças, preocupações e outros desafios.
Diálogo: Quais conquistas/avanços o senhor alcançou em seus dois anos de trabalho?
Gen Bda Mansilla: No âmbito político, foi o papel institucional desempenhado pelas Forças Armadas durante as difíceis conjunturas de transição vividas no último semestre do ano de 2015. Conseguimos, todos os militares, mostrar nosso compromisso com a democracia como uma instituição. Agimos como uma entidade não deliberativa e obediente aos mecanismos democráticos que estão estabelecidos na Constituição Política da República da Guatemala.
Com respeito ao interinstitucional, fortalecemos as relações com outras instituições de governo com as quais temos o dever de agir em benefício dos guatemaltecos. Somamos capacidades e esforços para conseguir os objetivos mútuos em diversas estratégias e políticas de governo. Um exemplo é nossa participação na Estratégia do Trem do Desenvolvimento, contribuindo com a capacidade do Exército para que as outras instituições levem soluções para problemas locais, como o acesso a rodovias, a renovação da infraestrutura escolar, sanitária ou comunitária. É preciso ressaltar que isso obedece à demanda que as autoridades municipais têm, beneficiando-se dessa ação interinstitucional.
Internamente, demos continuidade ao estabelecimento de métodos melhorados de gestão e planejamento da defesa. Isso leva a conseguir um planejamento por capacidade, programação por rendimento e orçamento por resultados.
Diálogo: As gangues representam um dos problemas de segurança de alguns países vizinhos. É o caso da Guatemala? Se for, como estão sendo enfrentados? Qual a função das Forças Armadas nessa luta?
Gen Bda Mansilla: Como já disse antes, quando a ameaça ultrapassa as capacidades das entidades encarregadas de combatê-la, é necessário que as ações dos integrantes do Sistema Nacional de Segurança sejam somadas. No caso das gangues, a atenção que exigem passa por diferentes âmbitos. Um deles é evitar a adesão da juventude a esses grupos, exigindo uma intervenção social. Por sua vez, é necessária uma ação preventiva e coercitiva policial diante de fatos violentos. Para o desenvolvimento dessas atividades de governo, exige-se um espaço controlado e garantido. É nesse aspecto que colaboramos com a governança por meio da presença de nosso pessoal para gerar um ambiente no qual se possam desempenhar as outras instituições responsáveis pelas medidas específicas para levar segurança cidadã e oportunidades de desenvolvimento.
Diálogo: O que as Forças Armadas da Guatemala estão fazendo para combater o tráfico ilegal?
Gen Bda Mansilla: Este flagelo tipifica o tipo de ameaça que recai na segurança pública e que demanda a participação parcial das capacidades militares diferenciadas em seu atendimento. Somos parte da região centro-americana que, por sua configuração, é ao mesmo tempo uma ponte e um obstáculo comercialmente. Somos uma ponte para o movimento norte-sul do continente. Por outro lado, somos um obstáculo para o movimento leste-oeste entre os Oceanos Pacífico e Atlântico, com exceção do gargalo que representa a passagem pelo canal do Panamá. Essa condição geoestratégica também é aproveitada por quem pratica tráfico ilegal.
Para combater esse tráfico ilícito, é preciso controlar os espaços aéreos, terrestres e marítimos, além de combater diretamente as estruturas. No exercício do controle aéreo, a Guatemala conseguiu a capacidade de detecção de intrusos por meio do estabelecimento de radares primários e secundários, que se somam aos que a aeronáutica civil já tinha. Aqui oferecemos informações ao sistema civil para proporcionar uma navegação segura para o tráfego aéreo legal e também detectar quem quiser entrar em nosso espaço aéreo de forma ilegal.
No controle terrestre, estamos modificando constantemente nosso dispositivo para impedir a utilização ilícita de rotas de entrada e saída do país. Especificamente em regiões fronteiriças, nos unimos aos esforços de nossos vizinhos para agir de forma conjunta contra esse tipo de crime. Também contamos com as Forças Especiais treinadas no combate urbano. Para isso, somamos a incorporação de aeronaves com capacidade VIR, potencializando a detecção de atividades suspeitas.
No controle marítimo, além da capacidade VIR, utilizamos a Força Especial Naval como entidade operacional para a interceptação de embarcações que se dedicam ao transporte de entorpecentes. Essa atividade, com o apoio da inteligência dos Estados Unidos, permitiu apreender números recordes no ano anterior e acho que vamos superá-los este ano.
Diálogo: Que tipo de relação existe entre as Forças Armadas e a Polícia Nacional?
Gen Bda Mansilla: As duas instituições sustentam uma relação de complementaridade. Temos canais sempre abertos que se mantêm entre os Ministérios do Interior e da Defesa, assim como várias atividades de coordenação que se desenvolvem a níveis centrais e locais para otimizar nosso desempenho. A gênese dessa interação emana da instrução do senhor presidente da República [Jimmy Morales Cabrera], encaminhada para o fortalecimento institucional de todos os componentes do Estado.
O componente policial vem aumentando suas capacidades e recursos, permitindo agora a diminuição do envolvimento dos militares nos trabalhos próprios da polícia. Existe um plano para isso, que está sendo cumprido totalmente. Esperamos e estamos trabalhando para que em breve o componente militar possa se concentrar na multiplicidade de funções que lhe são próprias e que deixamos de lado por enquanto. A relação entre as duas instituições é harmoniosa, como deve ser, pois nosso compromisso não é com os aspectos internos de cada entidade, mas sim com os cidadãos, que são nossa razão de ser.
Diálogo: Sabemos que a Guatemala obteve avanços na inclusão de gênero nas Forças Armadas. Qual é a importância dessa mudança e quais são os resultados desses esforços até o momento?
Gen Bda Mansilla: A importância está em tornar realidade o preceito constitucional que estabelece a responsabilidade de todos os guatemaltecos em servir e defender a pátria. Todos temos muito com o que contribuir. A participação feminina veio para alimentar a riqueza humana da qual as forças armadas se nutrem.
A inclusão é uma decisão que foi tomada há muitos anos e cuja concretização requer tempo. Isso se deve a que o crescimento hierárquico, principalmente entre os oficiais, exige relevos referentes às gerações. A cada ano, aumenta o envolvimento das mulheres em nossas fileiras. Nessa mesma proporção, sua presença aumenta nos diferentes níveis da escala hierárquica. Os resultados são apreciados nessa medida gradual de mudanças.
Diálogo: Que avanços a Guatemala obteve com respeito aos direitos humanos nas Forças Armadas?
Gen Bda Mansilla: Há duas grandes áreas nas quais trabalhamos durante vários anos e continuamos fazendo. A primeira é o conhecimento e a prática dos direitos humanos e do direito internacional humanitário por parte de nossos integrantes em toda a atividade militar. Isso foi conseguido através da integração transversal da temática de direitos humanos em todo o processo educacional militar. Com isso, conseguimos concretizar o respeito por esses direitos fundamentais pelas forças armadas também em sua atuação externa.
Como consequência subjetiva dessa ação objetiva, produziu-se uma absorção dos princípios para sua aplicação dentro da instituição. Em apoio a essa ação, criou-se uma estrutura institucional em mais alto nível, por meio da Direção Geral dos Direitos Humanos do Ministério da Defesa.
Diálogo: Como a Guatemala coopera regionalmente para combater a luta contra o tráfico ilegal e a criminalidade transregional?
Gen Bda Mansilla: A incerteza e a volatilidade que a criminalidade internacional apresenta obriga a uma atuação cooperativa dos estados. Não existem soluções simples para problemas complexos. Por isso, as redes que esses criminosos desenvolvem só podem ser combatidas com redes equivalentes por parte da comunidade regional.
Nossas boas relações com os vizinhos permite o desenvolvimento de uma agenda temática bilateral rica. Dentro desse marco, hoje contamos com mecanismos de cooperação com nossos vizinhos com respeito à segurança. Um exemplo disso são os denominados Grupos de Alto Nível para a Segurança e a Justiça, que somam esforços para enfrentar as ameaças. Outra ação está nas forças-tarefas interinstitucionais que foram geradas entre os países que conformam o chamado Triângulo Norte.
Por sua vez, participamos de acordos multilaterais, como os acordos para a eliminação do tráfico ilegal de entorpecentes no mar. No Oceano Pacífico, trabalhamos com organismos dos Estados Unidos, enquanto que no Caribe o compromisso se faz com diversos países, incluindo nações europeias com territórios ultramarinos.
Em tudo isso, oferecemos todo o nosso esforço. Não importam as limitações que possamos ter com equipamentos e materiais. Contamos com a riqueza de nossos recursos humanos, que utilizam de forma eficaz e eficiente os meios que possuímos. Isso se deve ao profissionalismo desse pessoal, que materializa o compromisso que a Guatemala assumiu com esse problema múltiplo. Partimos da ideia elementar de que ninguém é tão forte para agir sozinho e ninguém é tão fraco para deixar de apoiar. Nesses problemas que se manifestam nos espaços comuns, somente a cooperação e a soma de capacidades e esforços podem produzir os frutos que desejamos.
Diálogo: Quais são as vantagens de trabalhar com os Estados Unidos e com outras nações parceiras para enfrentar de forma conjunta as ameaças de segurança regional?
Gen Bda Mansilla: Mais que vantagens, são compromissos. Como enfatizei, nenhum Estado consegue agir sozinho diante da diversidade das ameaças, das preocupações e de outros desafios na região. A apatia por parte de qualquer um dos membros desse conglomerado de Estados democráticos conduz à existência de espaços para a impunidade da criminalidade internacional A pressão deve ser contínua, coordenada e simultânea para evitar a fuga da ameaça para áreas de conforto.
Devemos ressaltar também que nem toda ação deve estar baseada unicamente na utilização do poder coercitivo do Estado. Muitas das vulnerabilidades que se apresentam em nossas nações vêm de condições desfavoráveis para o desenvolvimento e constituem um meio de incentivo para as organizações criminosas. Portanto, a resposta é integradora e integral, tanto no seio de cada país quanto na coletividade da região. Integradora, pois deve somar os esforços de todas as instituições, e integral para que envolva a multidimensionalidade subjacente às ameaças, preocupações e outros desafios