As empresas chinesas estão se expandindo no mundo inteiro para extrair os minerais estratégicos que alimentam a revolução da energia limpa. Seus olhos estão voltados para a América Latina e suas reservas de lítio, cobalto, cobre e terras raras. Entre 2018 e 2023, Argentina, Bolívia e Chile receberam o maior investimento chinês, indicou o Latin America Center do think tank americano Atlantic Council, em uma série de infográficos, no início de abril.
“As empresas de mineração investem na região porque os recursos disponíveis na América Latina são de alta qualidade, a um bom preço, e são procurados no mercado chinês”, disse à Diálogo Francisco Urdinez, professor associado do Instituto de Ciências Políticas da Pontifícia Universidade Católica do Chile, no dia 20 de abril. “O interesse no lítio devido à crescente demanda para desenvolver tecnologias limpas para carros elétricos, os investimentos em ferro no Brasil e cobre no Peru são impulsionados pelo boom econômico dos últimos 20 anos.”
A corrida pelo domínio das tecnologias verdes, em que são protagonistas os investimentos na extração de minerais estratégicos, está deixando altos custos ambientais.
“A busca e a extração de lítio deveriam contribuir para a transição energética e a luta contra as mudanças climáticas”, disse Aleida Azamar Alonso, coordenadora do programa de mestrado em Sociedades Sustentáveis da Universidade Autônoma Metropolitana do México, à mídia argentina Canal Abierto. “Devemos estar atentos a toda a gama de recursos consumidos por essa indústria, seus eventuais resíduos e o impacto sobre a flora e a fauna das regiões afetadas.”
Uma investigação da ONG International Service for Human Rights, sediada em Nova York, e do Coletivo sobre Financiamento e Investimentos Chineses, Direitos Humanos e Meio Ambiente (CICDHA), um espaço de trabalho para organizações da sociedade civil na América Latina, para implementar uma estratégia de incidência e influenciar os atores chineses que têm impacto na região, compilou informações sobre 14 projetos de capital chinês que afetam os direitos das comunidades regionais. Do total, seis são investimentos em mineração localizada na região andina entre Equador, Peru e Colômbia.
Sofía Jarrín Hidalgo, ativista equatoriana e assessora de incidência da ONG Amazon Watch, explicou a Mongabay Latam, um site especializado em jornalismo ambiental, que três projetos chineses localizados na Amazônia equatoriana afetam gravemente o meio ambiente e apresentam problemas de cumprimento do consentimento livre e informado.
“É essencial ter canais formais e adequados para reclamações e denúncias que permitam responsabilizar as empresas e os financiadores, para sancionar o comportamento abusivo das empresas e garantir o acesso à remediação e à reparação total das comunidades afetadas”, disse Jarrín Hidalgo.
A investigação ressalta que, na província equatoriana de Zamora Chinchipe, o projeto de mineração Mirador da empresa Ecuacorriente, uma subsidiária das empresas estatais chinesas Tongling e China Railway Construction Corporation (CRCC), afeta pelo menos 16 ecossistemas diferentes, onde se encontram 4.000 espécies de plantas e 400 espécies de algas.
Enquanto isso, na província equatoriana de Morona-Santiago, o projeto de mineração San Carlos-Panantza da empresa Explorcobres, uma subsidiária do consórcio CRCC-Tongling, que também explora El Mirador, afeta 1.200 famílias em 47 comunidades e compromete 70 por cento do território ancestral do povo Shuar Arutam, de acordo com o estudo da Aliança pelos Direitos Humanos Equador. “Após sete anos de processos judiciais, o Tribunal Constitucional do Equador decidiu que os procedimentos de socialização realizados pela empresa de mineração não são equivalentes a realizar uma consulta prévia. Assim, ordenou a reparação total ao povo Shuar”, acrescentou.
Os resultados desse relatório foram apresentados em fevereiro ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), solicitando que recomendasse à China a proteção e o cumprimento de suas obrigações extraterritoriais contidas no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pacto DESC) e em outros instrumentos da ONU assinados e reconhecidos pela China, no contexto dos projetos com participação chinesa na América Latina.
“Todos os projetos analisados estão localizados em áreas de alto conflito social, grande diversidade ambiental e cultural, particularmente em territórios indígenas”, ressaltou Marco Antonio Gandarillas, pesquisador do monitoramento de projetos chineses para a ONG equatoriana América Latina Sustentável, em um comunicado à imprensa da ONG para o desenvolvimento sustentável CooperaAcción. “A avaliação do Comitê DESC é crucial para o futuro dos investimentos e financiamentos chineses na região.”
Um fator comum importante nos investimentos chineses que causam degradação ambiental é que os sistemas regulatórios em vigor falharam. E esse é justamente um aspecto urgente que precisa ser abordado para fortalecê-los.
“Os Estados anfitriões desses investimentos não conseguem regulamentar adequadamente. Ocorre um fenômeno em que a empresa não está disposta a melhorar os padrões a menos que seja obrigada a fazê-lo pelo Estado; se o Estado não a obriga, os padrões simplesmente não são respeitados”, disse Urdinez. “As mesmas empresas podem se comportar de forma muito diferente em dois países diferentes, dependendo da qualidade regulatória dos países que recebem os investimentos.”
A Avaliação Anual de Ameaças 2023 do Escritório de Inteligência Nacional dos EUA adverte que o domínio da China na extração e no processamento de vários materiais estratégicos representa uma vulnerabilidade.
“A China poderia usar seu controle desses mercados de minerais críticos para restringir quantidades e obter vantagens comerciais, ou como uma ferramenta em uma disputa política ou comercial”, indica a avaliação. “Uma interrupção prolongada nos suprimentos controlados pela China resultaria em escassez que poderia afetar a produção civil e de defesa no ocidente. Entretanto, as restrições às exportações de minerais essenciais provavelmente acelerariam os esforços e a coordenação em todo o mundo, para desenvolver fontes alternativas ou substitutos fora da China.”