Entre 2018 e 2022, o Escritório do Ombudsman da Colômbia emitiu mais de 20 alertas de que afiliados dos maiores e mais poderosos cartéis do México estavam ativos em solo colombiano. Cerca de 40 cidadãos mexicanos, de acordo com o Escritório do Ombudsman, estavam atrás das grades por acusações de narcotráfico na Colômbia, no início de 2023.
Sindicatos como os cartéis de Sinaloa e Jalisco Nova geração (CJNG) forjaram alianças conflitantes com colegas colombianos, como o Exército de Libertação Nacional, Clan del Golfo e dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), informou a revista colombiana Cambio Colombia.
Os cartéis mexicanos parecem estar intensificando suas operações na Colômbia, em uma dramática reversão dos dias em que os cartéis colombianos dominavam a maior parte do comércio regional de cocaína. Desde a queda dos cartéis colombianos de Medellín e Cali em meados da década de 1990, o domínio dos cartéis mexicanos no centro da distribuição de narcóticos desviou o poder dos fornecedores colombianos.
“Hoje em dia, os cartéis mexicanos controlam tudo, desde a folha de coca até a venda de cocaína em uma esquina da rua de Nova York. Eles são mais poderosos para isso do que Pablo Escobar ou Carlos Castaño”, disse o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, então senador, em um tweet de agosto de 2019.
Segundo o think tank InSight Crime, que estuda o crime organizado na América Latina e no Caribe, a prisão e posterior extradição em 2021 de Dairo Antonio Úsuga, conhecido como Otoniel, chefe do grupo narco-paramilitar Clan del Golfo, pode ser a última prisão de um chefe de sua estatura. “A partida de Otoniel deixa para trás uma paisagem criminosa transformada”, afirma InSight Crime. Em vez de cartéis hierárquicos e verticalmente integrados, o atual cenário criminoso da Colômbia é cada vez mais horizontal e fragmentado, com atores distintos controlando os nódulos do comércio da cocaína, desde o cultivo inicial da coca até o transporte nacional e a posterior exportação de cocaína para países vizinhos.
Falando com a AFP, o ex-vice-presidente da Colômbia e General da Polícia Nacional, Óscar Naranjo Trujillo, aparentemente forneceu uma análise similar. “[Antes] havia uma espécie de divisão de trabalho: Os colombianos produziam [e] armazenavam a coca, [a transportavam] pelas costas do Pacífico e do Caribe, assim como pelos portos, e depois a enviavam ao México […] ou aos Estados Unidos, com a ajuda de [traficantes mexicanos]”, afirmou Naranjo, acrescentando que atualmente os sindicatos criminais mexicanos “subordinaram” seus homólogos colombianos.
Neste contexto, o controle dos cultivos de coca em departamentos como Norte de Santander, Nariño, Cauca, norte de Antioquia e sul de Córdoba é o centro de conflito entre as organizações guerrilheiras e paramilitares da Colômbia. Isto é agravado pelo fato de que os narcotraficantes mexicanos costumam pagar aos fornecedores colombianos com armas de alta qualidade e promovem o cultivo de variedades de coca de alto rendimento, que produzem cocaína de alta qualidade e alto lucro em grandes quantidades a partir de uma área menor, publicou em um editorial Vanda Felbab-Brown, membro sênior da Brookings Institution, um think tank sediado em Washington, em julho de 2022.
O pagamento de fornecedores de cocaína com armas ajudou os cartéis mexicanos a lavar os lucros e evitar a movimentação de grandes quantidades de dinheiro vivo através das fronteiras, informou Reuters.
“O que grupos armados ilegais na Colômbia estão fazendo é usar os mexicanos para igualar e superar as forças armadas do Estado em termos de armamento”, disse à Reuters, em abril de 2022, um funcionário do Centro de Informação Antiterrorismo e Rastreamento de Armas (CIARA) da Polícia Nacional da Colômbia, sob a condição de anonimato. “No futuro, isso poderia ter sérias implicações, como um aumento das hostilidades.”
Os cartéis mexicanos não só estão cada vez mais envolvidos no tráfico e na venda por atacado de cocaína, mas também nas disputas internas entre grupos armados nas regiões da Colômbia, muitas vezes instigando à violência para deslocar uns aos outros ou ganhar exclusividade.
De acordo com o Escritório do Ombudsman, os “Zetas [cartel] compram carregamentos de cocaína do Caribe colombiano. Os carregamentos são então contrabandeados para a Venezuela, exportados para a América Central e de lá para a Europa e os Estados Unidos”, relatou o diário colombiano Semana. Em contrapartida, o CJNG e o Cartel de Sinaloa dependem de rotas de tráfico no Pacífico, que saem dos campos de coca dos departamentos colombianos de Nariño, Cauca, Valle del Cauca e Chocó.
A prisão em Cali, em abril de 2022, de Brian Donaciano Olguín Berdugo, conhecido como Pitt, principal ligação do Cartel de Sinaloa com grupos como o Clan del Golfo, Oficina de Envigado e dissidentes das FARC, é instrutiva quanto ao papel dos cartéis mexicanos como mediadores entre os grupos armados colombianos. Segundo a Reuters, a Polícia Nacional da Colômbia se referiu à sua prisão como a mais importante até agora de um emissário de cartel.
Vulgo Pitt, identificado como o braço direito de Joaquin “El Chapo” Guzmán, líder máximo do Cartel de Sinaloa, que está cumprindo cadeia perpétua em uma prisão de segurança máxima nos Estados Unidos, tinha a tarefa de negociar o fim das disputas territoriais entre a 1ª e 2ª frentes das ex-FARC e a chamada Segunda Marquetalia. Além disso, a inteligência colombiana sinalizou que o Cartel de Sinaloa estava envolvido em tentativas de impedir a extradição de vulgo Otoniel. O Cartel de Sinaloa supostamente estava preocupado que Otoniel pudesse fornecer às forças de segurança americanas informações que pudessem comprometer suas operações na América do Norte e até mesmo considerou a possibilidade de dar um golpe contra o ex-chefão, informou Semana.
Reportagens do jornal colombiano El Tiempo indicaram que Alfredo Guzmán-Salazar, conhecido como Alfredillo, filho de El Chapo, liderou as operações colombianas do cartel a partir da cidade de Medellín entre 2016 e 2018. Segundo informações de inteligência das autoridades colombianas, bem como da DEA e do FBI, Alfredillo operava um laboratório de cocaína na periferia de Envigado, no sudeste de Medellín, que produzia aproximadamente 100 quilos de drogas por semana, informou El Tiempo. Supostamente, Guzmán-Salazar também estava sendo vigiado por membros da La Terraza, uma das mais notórias gangues armadas de Medellín, afiliada à Oficina de Envigado.
Estes desenvolvimentos são preocupantes e sugerem que a liderança das maiores e mais sofisticadas organizações de narcotráfico do México está procurando ampliar as operações transnacionais na Colômbia. À medida que o cenário criminoso da Colômbia continua a se fragmentar, o papel dos cartéis mexicanos no tráfico de cocaína parece que complicará ainda mais um conjunto já emaranhado de alianças criminosas e relações de segurança.
Para Sergio Guzmán, diretor da Colombia Risk Analysis, uma empresa de análise de risco e segurança, os cartéis mexicanos não são apenas uma ameaça para a Colômbia, mas para toda a região, que deve ser abordada “por todos os países envolvidos”, declarou ao site de notícias Business Insider, com sede em Nova York.