Os integrantes do Batalhão Tonelero são a tropa de operações especiais do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) da Marinha do Brasil. Seus homens são treinados especificamente para a execução e o planejamento de operações especiais. Diálogo conversou com o Capitão de Mar e Guerra Fuzileiro Naval (FN) Stewart da Paixão Gomes, comandante do Batalhão Tonelero, sobre a participação da unidade de elite das Forças Armadas brasileiras na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas 2016, além das diferenças e semelhanças com relação a outras forças especiais da região, entre outros temas.
Diálogo: Quais são as principais diferenças entre o treinamento recebido por um operador especial do Batalhão Tonelero e o de seus homólogos na região e nos Estados Unidos?
Capitão de Mar e Guerra (FN) Stewart da Paixão Gomes, comandante do Batalhão Tonelero: Vou falar da minha experiência. Tive a oportunidade de ser oficial de intercâmbio junto à Infantería de Marina [CFN] da Armada do Paraguai em 2006 e junto ao United States Marine Corps [CFN dos EUA] em 2014, e pude perceber diversas similaridades entre as unidades de operações especiais, particularmente na seleção e formação, o que garante pessoal extremamente motivado e bem preparado. As experiências em combate são a principal diferença, mas técnicas, táticas e procedimentos são muito parecidos. Existem intercâmbios regulares entre os países do continente americano com a realização de exercícios e adestramentos combinados, bem como a troca de militares para a realização de cursos.
É claro que, em virtude da disponibilidade de recursos financeiros e tecnológicos de cada país, equipamentos e meios empregados também variam bastante, bem como a disponibilidade de material, o que impacta diretamente no adestramento.
Diálogo: Neste sentido, as ações de garantia da lei e da ordem (GLO), como a realizada no Rio de Janeiro em 2018 e da qual o Tonelero participou, acabam sendo importantes por serem situações reais?
CMG Stewart: Sim, todas as experiências em situações reais contribuem para o aprimoramento do pessoal. Especificamente nas ações de GLO pude observar a necessidade de preparação específica dos operadores e planejadores para que as ações sejam adequadas a regras de engajamento muito mais restritivas do que as previstas para situações de conflito.
Diálogo: Por quê?
CMG Stewart: As regras de engajamento em uma operação de GLO atendem às leis do Estado brasileiro e não ao previsto no Direito Internacional Humanitário. Sendo assim, a necessidade militar não pode pautar ações, bem como não há distinção entre criminosos e cidadãos de bem. Não se pode pensar em inimigo ou planejar ações de neutralização ou destruição. Devemos adequar nossas capacidades a ações de caráter repressivo e ostensivo para fazer frente a situações de conflitos de natureza social, onde a proteção de nossas forças e a apreensão de criminosos são nossos principais objetivos.
Diálogo: Com relação aos grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, como foram divididas as responsabilidades com relação à segurança?
CMG Stewart: Concluiu-se à época pela necessária colaboração e integração entre os ministérios da Defesa e da Justiça e a Agência Brasileira de Inteligência, com a criação do Comitê Integrado de Enfrentamento ao Terrorismo. Foram desenvolvidas ações coordenadas entre as Forças Armadas, os órgãos de segurança pública federais, estaduais e municipais, bem como com as agências relacionadas ao ordenamento público, a transportes e à organização desses eventos.
Visando à complementariedade das ações, o Ministério da Defesa, depois de integrar as capacidades das três forças (Marinha, Exército e Força Aérea), articulou as tropas de operações especiais, desdobrando-as nas regiões onde aconteceriam as competições. Dessa forma, foi possível garantir pessoal capacitado para empreender ações de contraterrorismo em cada cidade onde estavam previstos os eventos. Nesse escopo, o Batalhão Tonelero participou dessas ações com representantes nos estados-maiores responsáveis pelo planejamento e condução das ações regionais, bem como estabelecendo grupos de comandos anfíbios (GRUCANF) nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro.
Diálogo: E qual era o foco da missão?
CMG Stewart: Bem, nosso país não tem histórico de ações terroristas, mas os Jogos Olímpicos sim. Por essa razão, os GRUCANF e demais grupos (militares e policiais) aportavam aos coordenadores de defesa de área capacidades de operações especiais, entre elas a realização de ações de retomada de instalações ou resgate de reféns.
Assim, no período que antecedeu esses grandes eventos, foram realizados ensaios e treinamentos, integrando ações nos três eixos: defesa, segurança pública e inteligência. Foram executadas diversas atividades antiterroristas (ações defensivas) e disponibilizadas, localmente, tropas com capacidades contraterroristas (ações ofensivas). O desdobramento das forças e as ações adotadas reduziram os riscos e possibilitaram maior capacidade de reação face à extensão territorial brasileira.
Diálogo: E essa interoperabilidade, o senhor acha que foi a principal lição aprendida?
CMG Stewart: Com certeza. Além do planejamento integrado, desenvolvido em conjunto pelos órgãos e agências participantes, houve muito treinamento conjunto e atividades de intercâmbio entre os envolvidos. Todos estavam conscientes da importância e da responsabilidade que tínhamos de que tudo ocorresse de maneira segura em nosso país.
As interações entre pessoas e sistemas foi uma oportunidade ímpar para o conhecimento mútuo e permitiu melhor comunicação entre os diversos setores. As atividades de intercâmbio se intensificaram. Exemplo disso é o desenvolvimento aqui no batalhão de estágios e adestramentos para o pessoal das polícias civil e militar de alguns estados. Além disso, continuamos apoiando antigos parceiros como o Batalhão de Operações Policiais Especiais –BOPE–, e a Coordenadoria de Recursos Especiais –CORE– do Rio de Janeiro, a quem ministramos instruções de tiro, de emprego de embarcações pneumáticas, de natação utilitária e de técnicas de rapel e fast rope (a partir de helicópteros).