A Conferência de Defesa Sul-Americana (SOUTHDEC, por sua sigla em inglês) 2017 foi realizada de 22 a 24 de agosto em Lima, Peru, onde Diálogo conversou com o General-de-Exército do Uruguai Juan José Saavedra Fernández, chefe do Estado-Maior da Defesa do país. O Gen Ex Saavedra falou sobre a integração das mulheres às Forças Armadas do país e sobre o reconhecimento internacional que o Uruguai tem por sua histórica contribuição nas missões de paz das Nações Unidas.
Diálogo: O Estado-Maior da Defesa do Uruguai equivale aos estados-maiores conjuntos de outros países?
General-de-Exército Juan José Saavedra Fernández, chefe do Estado-Maior da Defesa do Uruguai: Praticamente sim. O Estado- Maior da Defesa [do Uruguai] é uma organização que foi criada há pouco tempo, há seis anos exatamente. A nova lei, Marco da Defesa das Forças Armadas do Uruguai, substitui o que antes era o Estado- Maior Conjunto. O importante é que ela recebeu um alcance maior. O Estado-Maior da Defesa está no mesmo nível que os comandantes das forças. Por isso, tem a mesma hierarquia que os comandantes das forças do Uruguai: o comandante da Marinha é seu almirante-de-esquadra; o comandante da Força Aérea é seu tenente-brigadeiro-do-ar; e o comandante do Exército é um general-de-exército. Portanto, o chefe do Estado-Maior da Defesa pode ser um oficial general de qualquer arma. O Estado-Maior da Defesa é a organização máxima de assessoramento militar do ministro da Defesa.
Diálogo: O que é que falta ou qual é o próximo passo para que esse quebra-cabeças de compartilhar informações se encaixe entre os países para haver um combate mais eficiente às novas ameaças?
Gen Ex Saavedra: Acredito que primeiro é necessário ter objetivos concretos e bem claros porque nesse tipo de reunião tudo é muito bom, mas se fala muito no plano teórico, quase acadêmico, então as coisas devem ser colocadas em prática e, sem dúvida, quando falamos de coisas concretas percebemos que temos desafios iguais, semelhantes para todo o hemisfério. Acredito que está nos faltando definir bem quais são os verdadeiros desafios, quais são nossos objetivos comuns, dar-lhes um prazo, porque evidentemente são países em um mundo dinâmico onde mudam os governos, mudam os objetivos, mudam as conjunturas. Mas, para assuntos concretos, acredito que há objetivos que podem ser estabelecidos a partir de casos importantes que servem, que dão confiança para trocar informações em todos os sentidos. Há objetivos hoje, como as ameaças do terrorismo, desse terrorismo que está acontecendo em todo o mundo, batendo em todas as portas. Acredito que seja um objetivo pelo qual todos devemos lutar e compartilhar informações nesse sentido. Houve avanços, eu acho, mas ainda temos desafios a serem conquistados.
Diálogo: Fala-se muito sobre as novas ameaças. Para vários países, o narcotráfico ou os ataques cibernéticos são algumas delas. Quais são as novas ameaças que o Uruguai enfrenta?
Gen Ex Saavedra: Acredito que todos os problemas, como o crime organizado ou as novas ameaças, como são chamadas, evoluem tão rapidamente que, apesar de não as vermos tão claramente como uma ameaça de hoje, deve-se tê-las em conta. Acredito que seja uma responsabilidade da liderança política e militar de todos os países dar-lhes a importância que merecem e trabalhar integralmente para enfrentá-las, preparando-nos e, além de nos prepararmos, conseguir algo muito importante, que é prevenir e dissuadir. É um elemento fundamental, fazendo com que esse possível inimigo, essa ameaça, veja que não vale a pena ir a nossos países porque vamos combatê-los e vamos vencê-los.
Sobre a ciberdefesa, trata-se de um fenômeno que está evoluindo muito rapidamente, como tudo o que tem a ver com a parte do espaço cibernético. Quem já tem uma certa idade se surpreende todos os dias com as coisas novas que aparecem, que são palpáveis e que são a realidade. O Uruguai está enfrentando isso. Criou-se uma nova divisão dentro do Ministério da Defesa, de ciberdefesa. Há atividades comerciais que são muito importantes para o Uruguai: tudo o que se relaciona com a pecuária, a produção de alimentos, que está baseado em dados que se guardam e se arquivam. Devemos protegê-los e dar-lhes importância. Já existe esse nível de coordenação com vários países. Por exemplo: com os Estados Unidos, há uma coordenação que funciona e, como todas as coisas, podem ser melhores e aperfeiçoadas, mas acredito que seja necessário continuar e trabalhar. Essa é uma questão de confiança. Há objetivos comuns que são importantes para outros países. Deve-se esclarecê-los. É importante defini-los, deixá-los bem claros e confiar. É nessa direção que se deve trabalhar.
Diálogo: Como o tema da integração de gênero nas Forças Armadas do Uruguai está avançando?
Gen Ex Saavedra: Entendemos que a mulher, na sociedade moderna, cumpre o mesmo papel que o homem. Ou seja, quando falamos de gêneros, as obrigações e os direitos são os mesmos, é claro. O Exército, as Forças Armadas uruguaias foram as primeiras na região que autorizaram e integraram a mulher a todas as forças, como pilotos, oficiais, marinheiros ou oficiais da infantaria e da cavalaria, que são mais complexas, a artilharia, engenharia e comunicações, e hoje continuam avançando na carreira, sem problema algum. Temos mulheres que ocupam cargos de comando em unidades de combate, desempenham a mesma função que os homens. Acreditamos que isso tenha que continuar assim e, além disso, nossa experiência, por exemplo, nas missões de paz, algo que é uma característica das Forças Armadas do Uruguai, tem sido muito positiva. Nas missões de paz, a mulher nos permitiu uma aproximação ainda maior com os cidadãos a quem vamos apoiar e proporcionar a segurança tão importante, para que possam conseguir a paz.
Diálogo: É possível dizer que as mulheres são a cara das missões de paz do Uruguai?
Gen Ex Saavedra: Sim. É um orgulho para as Forças Armadas que nossas mulheres estejam presentes e participem plenamente. Temos dito que, tanto mulheres quanto homens, de forma equivalente, cumprem todas as funções e, porque participamos de missões de paz com outros países, muitos deles com outras culturas, onde a mulher não está tão integrada, ressaltamos essa oportunidade [de promover a participação das mulheres nas Forças Armadas do Uruguai]. Para nós, a participação da mulher nas missões de paz e em todas as atividades das Forças Armadas é motivo de orgulho.
Diálogo: Com o fim da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), os militares do Uruguai que participam desta missão serão transferidos para outro país?
Gen Ex Saavedra: Sim. Gostamos de dizer que temos uma vocação para colaborar com as missões de paz. Há vários anos, lá pelo ano de 1990 no Camboja, a primeira mobilização foi uma odisseia para o Uruguai. Viajar 28.000 km até a fronteira com Laos foi difícil. Desde aquele momento, vimos que tínhamos uma oportunidade que nos encheu de orgulho depois de 1993, nas missões da África, onde estamos presentes, atualmente mais fortemente no Congo. Tudo o que possamos fazer para colaborar é algo que contribui muito para a parte profissional, para o desenvolvimento humano de todos os nossos integrantes das Forças Armadas, das três armas, e acreditamos que é bom continuar. Neste momento, existem novas normas nas Nações Unidas com respeito às novas mobilizações. Estamos trabalhando para ficar atualizados com essa parte e estamos vendo como podemos ser mais eficientes e como podemos colaborar mais com as novas missões que estão na África e que, sem dúvida, são mais complexas, são de outra geração, que nos exige não apenas uma preparação profissional especial, mas também uma consciência diferente. Estamos trabalhando neste sentido e somos otimistas de que, no próximo ano, vamos poder estar em outro lugar, colaborando com a paz e com as missões, que é algo difícil.
Diálogo: Como as Forças Armadas do Uruguai lidam com a questão dos direitos humanos em missões de paz?
Gen Ex Saavedra: Acreditamos que uma forma de promover os direitos humanos é estar nas missões de paz. Vamos a países onde, durante séculos, os direitos humanos, das mulheres, das crianças, foram violados. Todos sabemos sobre as crianças-soldados, sobre o tráfico de pessoas… As missões de paz são uma ferramenta que se mostrou útil para promover os direitos humanos, a igualdade de gênero, para possibilitar que essas sociedades, que passaram por momentos muito tristes e difíceis de guerra, possam conseguir uma estabilização e progredir; e que essas sociedades avancem em seu próprio progresso e desenvolvimento. Um fato muito importante é a vigência completa dos direitos humanos. Nesse sentido, estamos convencidos de que é necessário ir aos países onde temos estado nesses 17 anos: Camboja, Moçambique, Angola, Congo. Mas também naqueles onde temos estado como observadores: Ruanda, Serra Leoa, Libéria, para ver como se avançou. Apesar de ainda não terem conseguido resolver todos os problemas, pois nenhum país consegue isso totalmente, eles estão caminhando como todos nesta direção. Temos contribuído de alguma forma para que seja assim e nos sentimos muito orgulhosos disso e de poder continuar fazendo este trabalho.