Caracas — Na Venezuela, especialmente no setor agropecuário, há mais perguntas do que respostas sobre a possibilidade de que o país forneça ao Irã 1 milhão de hectares de terras agrícolas, como disse à agência de notícias Tasnim o vice-ministro do Interior para Assuntos Econômicos do Irã, Mohsen Kousheshtabar, no final de julho.
O regime de Nicolás Maduro não se referiu às declarações, mas em junho, durante sua visita ao Irã, Maduro assinou acordos de cooperação em diversas áreas e, referindo-se a projetos conjuntos para produzir alimentos na Venezuela e exportá-los para o Irã, insistiu que o país tem 30 milhões de hectares de terra para cultivo, “perfeitos, com água, com clima estável”.
Atualmente, cerca de 3 milhões de hectares são produtivos, disse Maduro então.
“O território do Irã, 70 por cento, mais ou menos, é deserto. Eles produzem todos os seus alimentos em 30 por cento do território. Eles até criaram tecnologia para produzir alimentos em áreas desérticas e é por isso que o ministro da Agricultura [da Venezuela], Wilmar Castro Soteldo,priorizou duas coisas: a primeira [é] a cooperação tecnológica para produzir mais alimentos na Venezuela, e aprender com toda essa impressionante experiência para continuar aumentando nossa produção agroalimentar com nossos próprios recursos em solo venezuelano”, disse Maduro em 12 de junho.
Após as declarações do funcionário iraniano, muitos venezuelanos se perguntam: a Venezuela pode ceder terras ao Irã?
A resposta é não, de acordo com o sistemalegal.
“O território nunca poderá ser cedido, transferido, arrendado ou de qualquer forma alienado, mesmo que seja de maneiratemporária ou parcial, a Estados estrangeiros ou outros sujeitos do direito internacional”, de acordo com o artigo 13 da Constituição venezuelana.
Na opinião de Juan Fernando Marrero, um engenheiro agrônomo e advogado especialista em direito agrário, é necessário rever os termos dos acordos, mas ele considera que isso não seria uma “cessão territorial”.
Mas, pode-se entregar terras para a produção, por exemplo, a investidores,através de um acordo? Sim, através de concessões, explica o especialista.
“Isso tem sido feito, ao longo de sua história com o setor petrolífero, a companhias eempresas estrangeiras, sejam elas privadas ou estatais. O problema com toda essa questão é que há muita opacidade, não há detalhes que nos permitam definir claramente os termos do acordo, mas há essa possibilidade”, disse à Voz da América(VOA).
Implicações
Perguntado pela VOA sobre as implicações geopolíticas, Marrero acredita que o fato deque sobre ambos os países pesem sanções internacionais, isto poderia ter consequências no âmbito do direito internacional.
Ele também lembra que a crise na Venezuela se reflete na insegurança alimentar e na desnutrição de uma grande parte da população, especialmente a mais vulnerável.
Ele se pergunta qual é a verdadeira motivação, ao mesmo tempo que se refere a declarações de funcionários iranianos que expressaram interesse em expandir sua fronteira agrícola no exterior.
“Os termos do acordo devem ser conhecidos, porque o que se pode deduzir dessa motivação é que eles a utilizariam em condições vantajosas, […]”, ressalta.
Como a Venezuela poderia se beneficiar? Talvez em termos de transferência de tecnologia, diz o especialista, mas ele afirma que muitos produtores agrícolas venezuelanos desenvolveram sua própria tecnologia adaptada às condições naturais do país.
“Na agricultura, não se pode improvisar, é uma atividade muito complexa que depende de fatores aleatórios que, mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico, o ser humano não pode controlar, como, por exemplo, a mudança climática […]”, declarou.
Perguntas
O líder político da oposição, Carlos Prosperi, questionou a possível entrega ao Irã do equivalente a 80 por cento do território do estado de Táchira, na fronteira com a Colômbia.
“Devem ser entregues os programas agrícolas destinados a resolver a crise pela qual o campo venezuelano está atravessando. Nossos produtores precisam que lhes sejam entregues insumos e diesel para mover suas máquinas agrícolas, disse em uma coletiva de imprensa.
Muitos problemas
Representantes do setor agropecuáriovenezuelano insistem constantemente que a produção enfrenta muitos obstáculos, porque, além da insegurança jurídica, de falhas nos serviços básicos e falhas frequentes no fornecimento de combustível, os produtores não obtêm crédito para os investimentos necessários, como, por exemplo, a substituição de máquinas e a compra de sementes e outros insumos para o cultivo.
Além disso, eles ressaltaram que as políticas econômicas implementadas pelo regime, incluindo a expropriação de empresas produtoras de alimentos, bem como a ausência de garantias que “minaram” os direitos à propriedade privada, contribuíram para o crescimento da insegurança alimentar na Venezuela.
De acordo com a mais recente Pesquisa das Condições de Vida (Encovi), a situação “continua a deteriorar-se” e, entre 2020 e 2021, registrou um aumento na Insegurança Alimentar Grave, que se situa em 24,5 por cento.
De acordo com o relatório mais recente sobre o estado da segurança alimentar e nutricional no mundo, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e outras quatro agências, a Venezuela é o segundo país da região com a maior prevalência de fome, atrás do Haiti.